'Intergalático' livro de estreia do fotógrafo brasileiro Guilherme Gerais, é uma espécie de ensaio literário visual. Composto por uma narrativa em preto-e-branco repleta de fotografias, ilustrações e pequenos vestígios, o livro se apresenta como um mapa, um guia, uma trilha para uma jornada ritualística, mas com um ponto de partida enigmático: um espaço ausente, embora anterior.
Registradas ao longo de quatro anos (2011-2014) em cidades como Londrina, Capadócia, Praga e Istambul, essas imagens se alternam sob uma ordem que pressupõe uma participação imediata do leitor/espectador: desde o início há o convite para um jogo, um desenlace, um desafio entre aquilo que é visto e aquilo que permanece. A estratégia, nesse caso, articulada de forma espontânea pelo fotógrafo, aponta sempre para o acaso, a desordem, a primariedade de uma suposta vida prévia – algo que se divide entre o espaço terrestre e o universo virtual, uma viagem que seria para o passado, mas é também para o futuro (matéria líquida).
A estrutura que define esse percurso é sempre múltipla: há colagens, registros, releituras, tramas, efeitos, anulações, além da nitidez e da granulação que evocam atmosferas superiores, unidades invisíveis, sempre sob uma sutil tendência ao trágico: "As imagens são, para mim, sempre algo que não pude encontrar", diz o fotógrafo nascido em Londrina em 1987, com trabalho já sólido no Cinema, e com uma linguagem que se aproxima de uma estética do desaparecimento: "aquilo que não consigo ver, talvez, eis um caminho possível".
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Com ilustrações do artista gráfico Arthur Duarte, e projeto gráfico do próprio fotógrafo, INTERGALÁTICO também parte do pressuposto que qualquer narrativa visual oferece sempre um segredo, um desejo que não se revela por inteiro, mas que está sempre presente. Dessa forma, a abertura para um imaginário espacial, repleto de tecnologias já abandonadas, reforça essa tese de que o mundo em que se vive é sempre o mundo em que se cria: estar vivo como algo próximo de estar em constante fabulação.
As pistas apresentadas pelo livro, uma disposição que nos remete a jogos de tabuleiro, sempre indica essa possibilidade existencial de que o herói, no fundo, é sempre a negação de si mesmo: estar disposto a se lançar ao mundo é estar disposto a se perder. E a fuga, esse sonho ancestral, reina absoluta como única forma de desafiar esse auto-conforto, essa zona de segurança que invariavelmente reconhecemos como nossa identidade.
O que as imagens nos sugerem, portanto, além de uma intensa e silenciosa mutilação, é a notável e afetuosa notícia de que somos no fundo apenas aquilo que se oculta, aquela mágica idéia de não-aparência que só pode ser tocada quando a música se reinicia. E INTERGALÁTICO, o livro, justamente se nutre desse poder: ele recomeça em cada imagem para nos devolver sempre a uma origem do mundo, não o nosso mundo, que fique claro – mas o universo único desse herói, desse ente não identificável que atravessa as 184 páginas dessa publicação como alguém que está refletindo sobre a sua busca, buscando o que não se reconhece.