A renúncia do presidente Joe Biden à corrida pela Casa Branca, anunciada neste domingo (21), fez a atenção se voltar à escolha mais óbvia do Partido Democrata para concorrer às eleições de novembro –a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris.
Em publicação após sua desistência, Biden endossou Kamala como candidata democrata à Presidência. O novo nome será decidido na Convenção Nacional Democrata, em agosto.
Pesquisas recentes mostram que ela teria um desempenho parecido com o de Biden se as eleições contra o provável candidato republicano, o ex-presidente Donald Trump, fossem hoje. No entanto, a política é a que pontua melhor contra o empresário quando comparada com os cotados para substituir o presidente na disputa -lista que inclui diversos governadores democratas que não contam com a projeção nacional dela.
Primeira mulher negra a ocupar o posto de vice-presidente dos EUA, Kamala nasceu em Oakland, uma das cidades mais perigosas dos EUA, e foi procuradora de São Francisco, entre 2004 a 2011, e da Califórnia, entre 2011 e 2017. Entrou para a política em 2017, quando se tornou senadora pelo seu estado de origem e foi notada pelo partido.
Biden convidou Kamala para ser sua companheira de chapa em agosto de 2020, três meses antes de vencer o pleito contra Trump e pouco mais de um ano depois de protagonizar um embate contra a então senadora, que havia entrado na corrida pela nomeação democrata à Presidência dos EUA.
Durante um debate do partido, Kamala criticou Biden por seu trabalho no Senado com legisladores segregacionistas e prometeu que, se fosse eleita, devolveria o status legal aos chamados dreamers (jovens que entraram ilegalmente nos EUA e foram criados no país) e eliminaria os centros de detenção para imigrantes –causa de diversas controvérsias no governo Trump.
Posicionamentos como esse tornaram Kamala a incumbida de ser a face pública do governo na área de migração, um dos assuntos pelos quais a gestão democrata é mais atacada. A condução da vice em relação ao tema até agora, porém, tem sido tortuosa.
Em junho de 2021, durante uma visita à Guatemala que foi a sua primeira viagem ao exterior no cargo, Kamala desencorajou a migração.
"Quero deixar claro para as pessoas nesta região que estão pensando em fazer essa perigosa jornada até a fronteira dos EUA com o México: não venham. Não venham", afirmou ela após uma reunião com o presidente do país. "Os EUA continuarão aplicando nossas leis e protegendo nossa fronteira".
A declaração atraiu críticas até mesmo de democratas como Alexandria Ocasio-Cortez. Mais famosa representante da ala mais à esquerda do partido, a deputada por Nova York afirmou na ocasião que a fala de sua correligionária era decepcionante.
No restante do mandato, Kamala foi questionada por dar pouca atenção ao tema e, no lado dos republicanos, de participar de uma gestão que não endureceu como deveria a fronteira. No fim de semana do Natal de 2022, ônibus lotados de migrantes vindos do Texas estacionaram nas imediações da residência de Kamala, em Washington, em um ato, segundo a Casa Branca, articulado pelo governador republicano do estado, Greg Abbott, que não se pronunciou na ocasião.
Críticos encontram contradições em outras atividades de Kamala. Apesar de se definir como progressista, sua ação como procuradora é desaprovada por analistas e movimentos à esquerda sob o argumento de que, quando pressionada a adotar reformas no sistema criminal, não agiu de forma assertiva e contribuiu para a prisão injusta em diversos casos –principalmente envolvendo réus pobres e negros.
Em outros temas importantes no debate progressista, como pena de morte e liberação do uso recreativo da maconha, Kamala também teve postura considerada controversa pelo campo da esquerda.
O mesmo não pode ser dito em relação ao aborto. Desde que a Suprema Corte revogou o direito constitucional das mulheres à interrupção da gravidez, em 2022, Kamala conquistou eleitores jovens, um ponto fraco de Biden, e se tornou a principal voz do atual governo sobre direitos reprodutivos, uma questão na qual os democratas estão apostando nas próximas eleições.
O avanço nessa arena se deu especialmente após as eleições legislativas de 2022 provarem que o tema foge da disputa entre direita e esquerda no país e mobiliza até mulheres em estados mais conservadores.
Caso realmente concorra à Presidência, Kamala vai concretizar uma ideia aventada em 2020, quando foi escolhida para a chapa de Biden. Antes mesmo de assumir a cadeira de vice, Kamala era cotada para ser a candidata democrata em 2024, uma vez que, naquela época, a idade do atual presidente já era uma questão.
Presidente mais velho a tomar posse, Biden, 81, enfrentou diversas críticas em relação à sua idade ao longo do mandato. A pressão se tornou insustentável após um desastroso debate contra Trump no final de junho. Com a saída de Biden, os democratas se livraram da questão e a deixam apenas para os republicanos. Trump completou recentemente 78 anos -quase duas décadas a mais do que Kamala, 59.