E lá vamos nós, com o vento na cara, correndo trecho. Vivendo num mundo, imaginando outro. Com um pé no que se vê e outro no que se imagina. Um, no como de fato é. Outro, no como deveria ser. Com Sancho Pança nos olhos a ver moinhos e com D. Quixote na cabeça a ver dragões.
Mas não é esse o trato, desde sempre? Alguém aguenta só a vida que entra pelos sentidos, palpada, vista, ouvida? Esse é o ponto. Descobrir na sensaboria do cotidiano a maravilha do que não se toca ou não se vê. Enxergar no óbvio o ilógico; no vulgar o raro; desconstruir as causas e efeitos e fazer da fantasia o lenitivo que nos alivia. Não desvendar os mistérios do mundo, porque impossível, mas apontar os mistérios. E se embriagar deles.
Precisamos ir além, transcender. Outra vida, outro mundo, homens e mulheres melhores que nós mesmos e daqueles que nos cercam. Eis aí o contrato. Buscar alhures o que há de nos completar. No território do sagrado. Ou, essa é aminha praia, ver a vida pelas lentes da literatura. Na grande história que se vive a cada dia, na trama desse romance entre o nascimento e a morte. Do arranque na partida à fita de chegada. É nesse recheio que a gente inventa, reinventa, diz e desdiz e não aceita.
O mundo nos foi dado perfeito, mas estragamos. E só faz sentido, de um jeito ou de outro, consertar o estrago. Ainda que não seja possível, ainda que saibamos que isso aqui não é o paraíso, ainda que as imperfeições sejam tantas que infinitas vidas não as corrigirão.
Pelo sim, pelo não, das dores inevitáveis, fazer arte.