O Tempo
Há o tempo de a vida acontecer e o tempo de narrar o que aconteceu. Um tempo físico (tempo do agora) e um tempo literário.
Narrar é resgate, lembrar o que se viveu, não importa há quanto, um minuto ou um século. Literatura é memória. Indo além, a arte é memoria. É lá, nesse relicário que buscamos os objetos da construção dos contos, romances, poemas. Num canto se apanha um rosto, uma voz, noutro uma paisagem, noutro ainda uma dor ou uma alegria.
Como na musica, notas longas, notas breves, o compasso, a modulação do desejo. Cabe ao escritor, não importa sua estatura, reconstruir mundos, recuperar emoções, paisagens, fatos, reconstruir homens, cidades, épocas, costumes, amores, desamores. Cabe a ele esse inventário das coisas do mundo e dos homens. E muitas vezes dizer o que ninguém diz. O que seria de nós, sem essas reconstruções, sem essas reproduções de vida, repassadas infinitas vezes, como que a lustrar com a flanela do tempo? A vida se encurtaria e perderia a profundidade, a experiência da tradição.
Na literatura, sabemos, não há o compromisso com a fidelidade do acontecido, tarefa destinada aos historiadores. Se a história é ação do homem no tempo e coube a eles, historiadores, a missão de falar do mundo como foi, resta ao poeta descrever o mundo como deveria ter sido. Cabe ao escritor narrar o tempo e a vida sem o compromisso com a verdade e a sinceridade. Mundo de imaginação.
Aprendendo com o mestre Machado de Assis: que melhor que ninguém resumiu o tempo:
"...tempo é um tecido invisível em que se pode bordar tudo, uma flor, um pássaro, uma dama, um castelo, um túmulo. Também se pode bordar nada. Nada em cima de invisível é a mais sutil obra deste mundo, e acaso do outro."