GAVIÃOZINHO

Seis e meia da manhã. O verão se se anuncia não só pelo calor, mas também pela visita do casal de gaviõezinhos-carijós e a sua prole, uns filhotinhos famintos e barulhentos. O senhor Gavião (pelo que me parece pelo porte maior), peito estufado e garras firmes, gira a cabeça sem parar. E com olhos enormes de quem em tudo enxerga um saboroso antepasto. Os gaviõezinhos cacarejam em desespero na espera do alimento. Vez por outra ele abre as asas e num salto mergulha no ar, contorna os edifícios com um pio agudo, alto, que reboa no céu de Londrina.

Eu os recebo bem, quando os vejo nos beirais do prédio da frente. Não sei por que me sinto mais alegre. Talvez por que a roda do tempo completou mais um giro, talvez por que os edifícios do centro escondam algo de floresta e de vida. Não sei por que, mas gosto. Todos os anos, mal começam os dias longos e a distinta família aparece logo pela manhã e volta no lusco fusco, ao fim do dia. O gavião pai é um senhor casado e não está sozinho, logo não há por que alertar as andorinhas, como na antiga marchinha de carnaval. E mais um outro erro na musica: andorinhas não fazem verão sozinhas. Com elas, abrindo a nova estação, vêm os estridentes bem-te-vis, os pardais, as margosinhas, vez por outra um ameaçador carcará, com aqueles olhos e aquele bico de rapina. Mas os meus preferidos são os gaviões-carijós. As asas que parecem uma enorme V, o silvo, o voo ondulante. E suas confabulações no amanhecer.

Passo o café, penso na vida, me preparo para o dia que virá. Olho mais uma vez pela janela da cozinha e a família gavião já partiu, para seu dia e afazeres.

Penso nos versos de Manoel de Barros, meu poeta maior, de quem aprendo sobre a vida:

"Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos.
Tenho abundancia de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior que o mundo."