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FLORES DO PÂNTANO

18 nov 2014 às 10:35

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Há um pequeno dialogo no conto do Guimarães Rosa "Estória de Lélio e Lina." em que um personagem, timidamente, fala de duas irmãs. Diz que uma delas era a mais casta e pura das freiras e a outra a mais devassa das prostitutas. E confessa carregar dentro de si uma parte de cada. Daí talvez seu encanto. Trazer em si mesma, duas extremidades, dois polos que constituem a condição humana. Indo um pouco além, não têm sido outros os pilares das maiores obras literárias. No equilíbrio ou desequilíbrio entre os opostos, quanto mais ao alto e quanto mais ao fundo a emoção toca, mais brilhante é a obra.

O confronto dialético entre vertentes é um recurso quase inesgotável no trabalho literário. Só de relance me lembro de Dickens: "O conto das duas cidades", da novela de Gógol: "A briga dos dois Ivans", de "Cidades Invisíveis" de Calvino, quando fala de Bersabéia.

"Em Bersabéia, transmite-se a seguinte crença: que suspensa no céu exista uma outra Bersabéia, onde gravitam as virtudes e os sentimentos mais elevados da cidade, e que, se a Bersabéia terrena tomar a celeste como modelo, elas se tornarão uma única cidade." Uma cidade real e uma cidade ideal. Da síntese é que resulta a beleza da vida.

No entanto, é em "O engenhoso fidalgo Dom Quixote de la Mancha", de Cervantes, obra inaugural do romance moderno, que esse binômio se aprofunda e se alarga. Nele é que se abarcam as inúmeras possibilidades do espirito em trafegar entre o "alto" e o "inferior." O homem de la Mancha decide matar a realidade para viver intensamente os mais nobres ideais cavalarianos. Para isso refaz o mundo pela fantasia e flutua. E onde está o mundo real, os moinhos de vento, a criada de estalagem, o pangaré quase descarnado, ele vê por dragões, princesas, cavalos bravios. Só a presença de Sancho, um sujeitinho feio e sem graça (como tantas vezes a vida real nos parece) dará o equilíbrio. Oscilando entre a fantasia, o mundo idealizado de um lado e a realidade dos fatos, comezinhos, em preto e branco do outro é que escapamos de adoecer.

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