Ao som de Luiz Caldas, Wado ensaiava os primeiros passos com o corpo de uma garota colado ao seu. Dois para lá, dois para cá. Desde que a família de Oswaldo Schlikmann Filho deixou Florianópolis e se estabeleceu em Maceió, quando ele tinha 8 anos, o axé se faz presente. De Caldas a Margareth Menezes, a trilha sonora que acompanhou o crescimento de Wado estava ligada ao ritmo malemolente nascido na Bahia há pouco mais de três décadas. Não é surpresa a escolha por mergulhar nessa sonoridade tão própria no novo disco - já disponível para download gratuito no site do artista e nos serviços de música por streaming. Ivete, nome do nono álbum do músico, é tão pessoal quanto 1977, disco anterior, cujo título é uma referência ao ano do seu nascimento. Está tudo enraizado nele.
Ivete, o título, é uma brincadeira bem-vinda. "Quando você pensa em axé, hoje, qual é o nome que vem a sua cabeça?", ele pergunta, ainda em Maceió. Ivete Sangalo é o maior nome do gênero que estourou em popularidade durante os anos 1990, com letras ora sacanas demais, ora amorosas demais. "Lembro que, quando o axé estava completando 30 anos (em 2015), diziam que o gênero estava em crise. Não queria fazer aquilo que estava na moda. Me pareceu uma boa hora para mergulhar nesse som que estava em crise", explica Wado. "Mas a escolha pelo nome não é jocosa. É simpático. Sou eu tentando ser a Ivete com esse disco."
Com oito discos lançados antes de Ivete, Wado conta que invariavelmente é questionado sobre o sucesso e o mainstream. "E eu me achava muito bem sucedido. Quero dizer, pago as minhas continhas, tenho a minha vida. Para mim, sucesso é isso", ele diz. "E, quando perguntavam por que não fazia um trabalho mais acessível, eu não entendia. Na minha cabeça maluca, sempre fui ‘Ivete’. A cada música que eu termino, eu penso: ‘Que música linda. Essa vai tocar as pessoas.’ Depois, você vê que algumas não chegam muito perto disso."
Ivete é um trabalho com o suingue do axé e uma ligação direta ao início do gênero, quando as letras politizadas e mais enraizadas nas questões sociais ainda eram dominantes. "Queria retomar a ideia desses temas contundes", ele explica. Alabama, a faixa de abertura, assinada por Wado e Thiago Silva, nasceu inspirada após o músico assistir ao documentário What happened, Miss Simone?, sobre Nina Simone. Em especial, após a cena na qual a cantora vocifera, de forma raivosa e dolorida, a canção Mississippi Goddam a respeito do assassinato de jovens negros. Amanheceu, a mais densa do trabalho, foi erguida sobre os escombros do massacre em Columbine, acontecido em 1999, quando 13 pessoas perderam suas vidas. É a canção mais tensa do disco, com guitarra urrando em acordes longos, distorcidos, enquanto a bateria é a responsável por trazer algum remelexo.
"É um disco para família", diz Wado, "com exceção de Amanheceu", reconhece. As palhetadas da guitarra do axé requerem um requebrado grande na munheca da mão direita, mas não parece ser um problema para o músico, criado na base de Timbalada e Carlinhos Brown. São dez canções, todas curtas - a mais longa não chega a ter 3 minutos de duração. "A intenção era fazer um disco solar, leve, por mais que falasse desses temas", ele explica. Ao fim de menos de 25 minutos, Ivete chega ao fim. E é quase inevitável apertar o play para ouvi-lo mais uma vez. Se houver companhia para dançar com o corpo colado, no dois para lá, dois para cá, melhor ainda.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.