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'Quando tentam me excluir, excluem o Renato Russo', diz herdeiro Giuliano Manfredini

12 dez 2020 às 10:11

A operação Tempo Perdido, da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que esta semana levou à apreensão de 91 itens da Legião Urbana num depósito usado pela gravadora Universal, continua repercutindo entre os integrantes da banda e pessoas relacionadas a ela.


Depois de Dado Villa-Lobos chamar a ação de "bizarra" e "estranha", Giuliano Manfredini, filho e herdeiro de Renato Russo, agora diz que não pediu à polícia a apreensão dessas fitas e CDs –agora, depois de uma decisão judicial, sob sua posse.


"Eu não entrei [na Justiça] contra Dado, [o baterista Marcelo] Bonfá ou gravadora", diz Manfredini. "As investigações é que foram mostrando esses caminhos. Isso não tem nada a ver comigo. Não fui eu quem fui lá bater o pé na porta da gravadora. Isso não existe."


Segundo reportagem do Jornal Nacional, a Justiça determinou que esses 91 itens –fitas cassete, fitas master e CDs– agora estão sob responsabilidade de Manfredini, e não mais da Universal, gravadora que detém os direitos dos fonogramas da Legião Urbana.


A operação chegou até as fitas da Universal depois que Manfredini fez uma notícia-crime pedindo a investigação de supostas gravações inéditas do pai divulgadas online. Segundo o empresário, a motivação foi a divulgação, há alguns anos, de uma fita rara com Renato Russo cantando ao lado do guitarrista André Pretorius, na banda Aborto Elétrico, grupo do cantor de antes da Legião Urbana.


Manfredini acredita que essa fita, entre outros materiais, foram retirados do apartamento de Renato Russo, em Ipanema, no Rio. "O fato é que tem materiais ocultados que foram retirados do apartamento do meu pai", diz. "E é fato que esses perfis falsos estavam divulgando esses materiais. A partir daí, é a investigação que levou a polícia lá. Mas não é do meu interesse manter em nossa posse o que não é nosso. Só queremos que os nossos direitos sejam respeitados."


A operação, batizada Será, levou a polícia a apreender documentos, computadores, celulares e arquivos tanto do produtor Marcelo Froes, responsável por digitalizar as fitas da Legião há cerca de 20 anos, quanto de Josivaldo Bezerra da Cruz Junior, que usava um perfil falso, chamado Ana Paula Ülrich, no Facebook.


Segundo Manfredini, Bezerra da Cruz –que em seu perfil se apresentava como Ana Paula– se apresentou como representante da agência de notícias Reuters e da TV Globo e fez ameaças ao empresário com suposto material inédito da Legião Urbana.


Em artigo publicado neste jornal, a jornalista e autora de livro sobre a banda, Chris Fuscaldo, disse que Bezerra da Cruz tem uma "triste história de vida", é quase cego por causa de um glaucoma e tem dificuldade até para sair de casa sozinho. O fã afirmou disse a ela que não teria compartilhado nada que já não tivesse sido publicado por outras fontes.


Manfredini acredita que o material inédito tenha sido extraviado do apartamento do pai na época em que o imóvel estava sob os cuidados de seu avô, pai de Renato Russo, que morreu em 2004. "Nas pesquisas que conduzimos [para uma exposição] com o Museu da Imagem e Som, tem lacunas que não conseguimos preencher. É claro que houve materiais extraviados, ocultados", diz Manfredini. "No acervo, eles identificaram que existem páginas de manuscritos que foram arrancadas posteriormente à morte do meu pai."


A busca por esse material, diz Manfredini, "é meu dever e minha obrigação". "É para isso que a gente vai fazer essa análise [das fitas], para ver se tem algo desse material ali no meio. Analisar o conteúdo, catalogar, armazenar, e aí decidir o que fazer. Mas sempre respeitando a lei."


Manfredini diz que ainda vai analisar o conteúdo das fitas, mas, em entrevista a este repórter, o guitarrista da Legião Urbana, Dado Villa-Lobos, afirmou que se tratam de sobras das gravações dos discos da banda. Segundo ele, essas fitas foram digitalizadas por Marcelo Froes, que enviou cópias a Dado, Bonfá, ao baixista Renato Rocha e à família de Renato Russo há 20 anos.


Manfredini, hoje com 31 anos, diz que nunca teve acesso a esses CDs. Questionado se suas cópias poderiam estar com sua avó, Carminha, mãe de Renato, o empresário não respondeu.


Sobre o conteúdo das fitas, Dado disse ainda que não há músicas inéditas. Uma dessas gravações seria uma versão de "Juízo Final", música de Nelson Cavaquinho que a banda decidiu não lançar porque não coube no vinil do álbum "Dois", de 1986.


Há ainda, segundo Dado, uma versão em inglês da música "Fábrica", e uma música instrumental chamada "O Grande Inverno na Rússia". No material apreendido pela polícia nesta quarta haveria uma versão em reggae de "Faroeste Caboclo". Segundo Dado, não se trata de uma nova versão, mas sim de trechos das gravações originais, já que a própria música tem um trecho feito em reggae.


Carlos Trilha, ex-produtor dos discos solo de Renato Russo, disse à época da operação Será não haver música inédita do cantor que já não tenha sido publicada, mas sim alguns poemas e letras, rascunhados em cadernos, que ainda não vieram a público.


Nesta quinta, ele reforçou à reportagem não existir nada de novo. "As fitas são as originais, que estavam onde deveriam estar, no depósito da Universal, proprietária dos fonogramas", disse. "É a batalha dos leigos parte dois."


Dado ainda disse que tentou lançar parte desse material numa reedição comemorativa de 30 anos do disco "Dois", de 1986, mas que Manfredini não teria autorizado. "Tenho várias ressalvas a esse projeto, mas não o proibi. Isso é uma mentira", diz o empresário.


"É um projeto caça-níquel com o objetivo de promover a turnê da Legião Urbana "XXX", que é do Dado, e que também é outro projeto caça-níquel. Eu não proibi, mas condicionei. Disse, vocês querem relançar o 'Dois'? Então vamos lançar os discos ao vivo. Os fãs querem os shows ao vivo, os que sei que existem gravação, no Metropolitan, em Mangabeiras, no parque Ibirapuera, em Santos."


Manfredini ainda afirma que não fechou o diálogo com gravadoras e que está aberto a conversar com Dado e Bonfá sobre novos projetos. Mas também se queixa de não fazer parte das decisões acerca dos lançamentos relativos à Legião Urbana.


"Em vez de chamar os representantes do Renato para fazer parte dos projetos, para compor desde o início, eles mandam uma semana antes do lançamento um contrato para assinar, botando a faca na minha garganta. Quantas vezes já fizeram isso?"


O herdeiro do vocalista e principal compositor da banda também afirma que essas reclamações "vêm da época do meu avô". "Acho que o Renato tem algo a dizer, algo a botar na mesa. A gente não quer impedir nada, não quer criar confusão com nada. Mas temos uma responsabilidade com a memória dele. Precisamos pontuar questões, precisamos que mostrem respeito. Não estamos pedindo muito, mas, na fase de planejamento, falem conosco."


Manfredini diz que já tem um destino para as fitas, que por enquanto estão com a polícia. Elas vão para um depósito da empresa Eclé, em São Paulo, segundo ele, referência na área. Também se defende das acusações de que estaria censurando pesquisadores. "Não tenho nada contra o Froes. Não fui eu quem falei o nome do Froes, nem o do Josilvado. Eu não sabia."


Na última quinta, a Universal disse que foi "surpreendida com este mandado de busca e apreensão em seu arquivo de tapes e está providenciando acesso ao inquérito policial para ter conhecimento do que se trata para tomar as medidas legais cabíveis".


As disputas de Manfredini com Dado e Bonfá datam pelo menos desde 2013, quando o herdeiro assumiu o comando da Legião Urbana Produções, empresa criada pelo pai nos anos 1980. Desde então, eles se desentendem acerca do uso do nome Legião Urbana em projetos.


Decepcionado com a situação, Dado já afirmou que "podem queimar" essas fitas e que já está trabalhando para impedir "qualquer lançamento de qualquer música da Legião que tenha uma nota do meu instrumento".


É improvável que haja músicas inéditas da banda e, neste momento, também é improvável que haja um acordo entre o herdeiro e os ex-integrantes para novos lançamentos num futuro próximo. Manfredini, por sua vez, afirma que seu único desejo com a operação policial é recuperar os supostos materiais que teriam sido extraviados do apartamento de Renato Russo.

"No momento que tentam me excluir, excluem o Renato", ele diz. "Não é dizer no palco que o Renato está aqui. É envolver o Renato de início. A gente quer compor, mas deixem a gente falar, se posicionar. Acho que temos algo a oferecer."


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