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Operação-resgate desova 35 preciosidades nas prateleiras brasileiras

19 dez 2001 às 17:28
Garimpar o baú é a palavra-de-ordem na temporada. Sucessivos pacotes de títulos fora de catálogo estão chegando às lojas em comemoração às efemérides das gravadoras. Tanto a Warner quanto a Sony, que celebram respectivamente as bodas de prata e as bodas de ouro no próximo ano, já brindaram o público com raridades de arquivo.
A BMG intensificou a tendência aproveitando o aniversário internacional de 100 anos do selo RCA Victor, incorporado pela companhia em 1986. Depois de lançar um lote de 20 CDs em setembro, a operação-resgate desova mais 35 preciosidades esta semana, boa parte delas pinçadas e remasterizadas pelo pesquisador e baterista dos Titãs Charles Gavin.
O elenco que gravitava em torno da Bossa Nova e do jazz é um dos destaques. Carlos Lyra ressurge com o álbum ‘Saravá!’, gravado no México em 1970 e lançado agora pela primeira vez no Brasil. Traz o lirismo de canções como ‘Também Quem Mandou’, ‘Feio Não É Bonito’ e ‘O Bem do Amor’ incluindo ainda o suingue de ‘Até Parece’ e ‘Sambalanço’; além de recriações de ‘Tristeza’ (último sucesso carnavalesco de Haroldo Lobo, autor de ‘Índio Quer Apito’ e ‘Alá-Lá-ô’, em parceria com Niltinho) e ‘Samba da Bênção’ (de Baden Powell e Vinícius de Moraes).
Luiz Bonfá, o violonista e compositor que antecipou e depois transcendeu a Bossa Nova, desponta no pacote com ‘Introspection’, gravado em 1972 em Nova York durante o período em que fazia parte do cast da RCA norte-americana. No encarte, o produtor e historiador Arnaldo DeSouteiro faz uma interessante análise da performance do músico.
Bonfá, segundo ele, tocava sem extrair ruídos, sem esbarrar, sem ‘trastejar’. Não era um virtuose, não fazia da técnica um show. ‘Por isso’ – lembra – ‘seus detratores – tendo como parâmetros mestres do porte de Baden Powell e Raphael Rabello, de pegada forte e rústica, tida equivocadamente como a única ‘escola do violão brasileiro’ – nunca conseguiram compreender a sonoridade límpida e aveludada, o toque sutilíssimo, a execução classuda, a concepção harmônica ultrasofisticada de Bonfá’.
Jamais lançado no Brasil, ‘Instrospection’ é cultuado como um dos melhores discos de violão-solo na história da música. Aqui Bonfá não oferece sambinhas, bossa nova ou improvisos jazzísticos. Prefere pintar paisagens sonoras. O relançamemto marca sua primeira edição mundial em CD. Outro mito do violão, Rosinha de Valença, também está presente na fornada com os álbuns ‘Rosinha de Valença apresenta Ipanema Beat’ e ‘Sivuca & Rosinha de Valença’.
O primeiro, lançado originalmente em 1970, atrai pelo ecletismo experimentalista do repertório percorrendo das bossas ‘Bossa na Praia’ e ‘Rosinha’s Mood’ ao hit sessentista ‘Je T’Aime Moi Non Plus’, do francês Serge Gainsbourg. O segundo trabalho, gravado ao vivo no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, em 1970, apresenta clássicos como ‘Asa Branca’, ‘Vassourinha’ e ‘Lamento’.
Rosinha está presente também nos créditos de ‘Flora é M.P.M’, álbum de estréia da também esquecida Flora Purim. Ela participou das gravações ao lado de outros músicos de renome como Luiz Eça, Paulo Moura e Raul de Souza – todos recrutados pelo baterista Dom um Romão, então marido da cantora. O material inclui canções como ‘Reza’ (de Edu Lobo e Ruy Guerra), ‘A Morte de um Deus de Sal’ (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli) e ‘Sabe Você’ (Carlos Lyra e Vinícius de Moraes).
Com o ‘M.P.M’ do título significando Música Popular Moderna, o disco foi gravado em 1964 e sua reedição (a primeira em CD) vem acrescida de seis faixas extras. Convém lembrar que Flora Purim nunca foi reconhecida no Brasil. Mas, nos anos 70, foi apontada seis vezes consecutivas como a melhor cantora de jazz do mundo pela revista Down Beat, a bíblia do gênero.
Outra voz feminina do pacote é Miucha, que gravou dois álbuns com o maestro Tom Jobim. O primeiro saiu em setembro. O segundo, de 1979, chega agora às lojas. Foi registrado em Nova York. A exemplo do primeiro, também traz participação especial de Chico Buarque, que canta em ‘Turma do Funil’ e ‘Dinheiro em Penca’.
Outro trunfo do pacote são os grupos vocais e instrumentais de bossa e samba-jazz, alguns recém-descobertos por DJs e produtores da seara eletrônica. A lista de garimpados com seus respectivos álbuns abrange Tamba Trio (‘Luiz Eça, Bebeto e Helcio Milito / Tamba’, de 1974 e ‘Tamba Trio’, 1975), Trio 3D (‘Tema 3D’, de 1964, e ‘O Trio 3D Convida’, 1965), Milton Banana Trio (‘Tipo Exportação Volume 2’, 1978) e Os Cobras (‘O LP’, 1964).
O samba em suas variadas vertentes também está bem representado no lote com, entre outros, Jorge Veiga (‘O Caricaturista do Samba’), Cartola (‘Verde Que Te Quero Rosa’), Jamelão (‘Cuidado Moço’), Martinho da Vila (‘Rosa do Povo’) e Bezerra da Silva (‘Justiça Social’). O material traz coletâneas de Aracy de Almeida, Ciro Monteiro, Moreira da Silva, e Anjos do Inferno.
O soul tropical foi lembrado com o raro ‘De Repente’, de Carlos Dafé, e o álbum homônimo do grupo vocal Os Diagonais, que no final dos anos 60 acompanhava Tim Maia e tinha como líder o guitarrista e compositor Cassiano. No segmento pop, o destaque é a reedição do disco ‘Para os Jovens que Amam os Beatles e os Rolling Stones’, do conjunto Os Incríveis. O CD, de 1967, traz as impagáveis sucessos ‘O Milionário’ e ‘Era Um Garoto Que Como Eu Amava Os Beatles e Rolling Stones’.
Suprido de gemas, a série comemorativa da BMG chega ao fim esbanjando virtudes.

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