Álbuns inteiros gravados ao vivo são uma constante na carreira dos Engenheiros do Hawaii. Dos 13 lançamentos que o grupo já acumulou, quatro deles foram editados a partir de apresentações do grupo sobre o palco, dispensando o excesso de cuidados técnicos de um registro em estúdio.
No ano passado, foi lançado "10.000 Destinos", com 19 canções gravadas no Palace (em São Paulo) em março de 2000. Trouxe à tona clássicos como "Toda Forma de Poder", "Infinita Highway" e "Alívio Imediato" até êxitos mais recentes como "A Promessa" e "A Montanha", além de inéditas como "Números" e "Novos Horizontes".
Para comemorar o aniversário deste lançamento, a gravadora do grupo, Universal, reeditou o álbum com algumas alterações. Foi rebatizado como "10.001 Destinos", ganhou capa roxa em lugar da alaranjada e nele foi incluído um segundo CD com sete faixas gravadas em estúdio com a nova formação. Neste CD de bônus não há sucessos. São músicas obscuras do grupo, mais conhecidas por seu público fiel - seria o Lado B dos Engenheiros. Entre as escolhidas, estão até "Freud Flintstone" e "Sem Você (!É Foda!)", ambas do repertório do Gessinger Trio, um projeto paralelo que Humberto Gessinger desenvolveu anos atrás.
Mas os Engenheiros do Hawaii não estão fazendo corpo mole como muitos artistas nacionais que pararam de lançar material novo para entupir as rádios e as prateleiras das lojas com acústicos e discos de covers. O novo rebento da trupe de Humberto Gessinger está programado para janeiro de 2002, somente com canções inéditas. O vocalista do grupo deixa, nesta entrevista, suas impressões sobre este trabalho, seu público e os músicos que o acompanham:
Bonde: Qual o propósito de um CD ao vivo? Muitas vezes ele perde muito em comparação ao estúdio e as músicas acabam soando muito parecidas umas com as outras.
Humberto Gessinger: Acho legal deixar explícito que o estúdio e o palco são dois ambientes diferentes. Tu pode perder algumas coisas tecnicamente ao vivo, pois você não tem controle sobre suas variáveis. Mas por outro lado tem o lance da espontaneidade. O disco ao vivo é um retrato bem fiel da turnê que estamos fazendo. Isto não é exceção na carreira dos Engenheiros, pois a cada três álbuns de estúdio, nós gravamos um ao vivo. Acho que isso nos deixa mais à vontade para fazer o que tem de mais legal: retratar um momento sem aquela paranóia de que o disco seja tecnicamente perfeito. Outra coisa bacana é que as canções crescem. Muitas músicas que já tocamos há tempos começam a ser cantadas pelo público. É legal acompanhar como as pessoas vão se apoderando das canções, que é algo que se sente num disco ao vivo.
Bonde: Entre as faixas bônus do segundo CD, há duas do Gessinger Trio.
HG: Foi um projeto paralelo feito para durar um ano. A princípio, eu nem queria transformar em disco, mas acabamos gravando. Montei a banda na vontade retomar o formato trio e de tocar em outros ambientes, entrando em contato com a energia de quem está começando. Dele saíram os meninos que me acompanharam em dois discos. Hoje eu vejo o Gessinger Trio como um disco dos Engenheiros.
Bonde: Da formação clássica dos Engenheiros faziam parte Carlos Maltz e Augusto Licks. O que eles andam fazendo ultimamente?
HG: Carlos Maltz está trabalhando com astrologia em Brasília. Há dois meses, nos encontramos e gravamos um disco com composições deles. É um trabalho que tem bastante de exoterismo. Estamos estudando uma maneira de lançar. Quem sabe em bancas de revistas. O Augusto não trabalha mais com música. Soube que estava atuando como jornalista. Inclusive cobriu a última copa para um jornal on line. A última notícia que recebi é que ele estaria morando no interior do Rio Grande do Sul. A saída dele não foi muito tranqüila, mas nada que tenha abalado a nossa amizade.
Bonde: E o próximo CD de estúdio? Há uma previsão de quando deve ser produzido?
HG: Sim. Já estamos gravando. Os músicos que estão comigo são Paulinho Galvão (guitarra), Bernardo Fonseca (baixo) e Gláucio Ayala (bateria), que estão me acompanhando desde março. O novo trabalho vai se chamar "Surfando Karmas e DNA", que é o nome de uma canção. Um lance legal na gravação é que desta vez eu não parei para me enfurnar no estúdio por dois meses. Fomos gravando aos poucos, quase num esquema semana-sim-semana-não. Este disco está sendo gravado desde junho e está em fase de finalização. Vai sair no final de janeiro do ano que vem.
Bonde: Bem diferente do que acontecia antigamente com os Engenheiros. Até o sétimo disco, "Gessinger, Licks & Maltz", de 1992, vocês sempre preparavam o disco para ser lançado em dezembro, com a proposta de ser um presente de natal.
HG: Mas eu acho que o disco dos Engenheiros não é tão mercadológico, a ponto de ser lançado num momento certo, com rigidez. Já temos um público fiel que nos acompanha e sempre compra os discos assim que lançados.
Bonde: A época em que os Engenheiros mais ganharam público foi quando lançaram o quinto disco, "O Papa é Pop". Hoje, o público da banda tem se renovado, mesmo sem a exposição na mídia que a banda tinha antes?
HG: "O Papa é Pop" vendeu um pouco mais que os outros, mas é uma vendagem bem homogênea. Com a gente acontece algo que não é muito comum entre os artistas de gravadoras: independentes de estarmos mais expostos à mídia ou não, nossa vendagem não muda muito. Como já falei, temos um público fiel, mas ele tem se renovado. Temos notado pelos shows e pelos e-mails que recebemos. Não sei se é porque nos shows a galera nova é mais barulhenta e se destaca mais, mas eu sinto uma grande renovação do público.
Bonde: Como estão os temas das novas músicas. Houve mudanças no enfoque?
HG: Se houve, não foi nada consciente, que eu tenha procurado. A gente amadurece e vai aprendendo a fazer melhor o nosso ofício. Não acho que tenhamos mudado o estilo nem das letras, nem das músicas, apesar das mudanças de formação. Desde cedo, eu sabia o que eu queria e poderia fazer com música. A história dos Engenheiros é mais uma continuidade do que uma ruptura.
Em um programa recente do Ratinho, havia uma matéria sobre sincofonia, o fenômeno de encontrar mensagens em discos e fitas rodados ao contrário. Foi mostrada uma música dos Engenheiros do Hawaii que ao contrário dava uma bronca no ouvinte.
HG: Era "Ilusão de ótica", gravada em "O Papa é Pop". No estúdio, armamos para que quando a fita fosse rodada ao contrário fosse ouvida a frase "Porque é que cê tá ouvindo isto ao contrário? O que é que cê tá procurando? hein?". Nem era um trecho escondido, pois estava incluído no encarte. Foi uma brincadeira que fizemos com pessoas que vêem o mal em todos os lugares. Na minha opinião, quem vê o mal em todos os lugares tem o mal dentro de si. Foi exatamente um brincadeira com quem tem essa postura de ficar procurando o demônio em músicas rodadas ao contrário. Eles tanto que procuram que um dia vão achar (risos).