Numa tarde de fim de outono em Londres, daquelas que se tornam noite antes ainda das 16h, o vendedor de uma loja de discos do Soho, com braços tatuados e alargador na orelha, aponta para o single de vinil de capa branca. "Conhece esse garoto aqui? Não é meu estilo de música, mas ele vai longe", disse. A bolacha de sete polegadas tinha a música The A Team no lado A, um remix da mesma canção no lado B e havia saído meses antes, em junho de 2011. "Esse disco está saindo bastante", afirmou, após emplacar a venda e pôr o álbum na sacola de compras.
O vendedor de discos, fã da banda indie Guided By Voices, contou ele depois, provavelmente estava na profissão errada. O sujeito tinha tino para a coisa, deveria largar a loja de discos para ser empresário de músicos ou olheiro de gravadora. O rapaz ruivinho que cantava uma estranha canção, aparentemente doce, mas com versos sobre uma prostituta viciada em crack, era Ed Sheeran, voz do pop capaz de fundir fofura e perversão, baladas de amor e o fundo do poço.
The A Team chegou a ser indicada para o Grammy de canção do ano e perdeu para a colaboração entre a banda Fun e Janelle Monáe chamada We Are Young, outra música tocada à exaustão na época. A diferença está no fato de que ninguém mais se lembra do Fun, enquanto Ed Sheeran olha para a concorrência do topo, com aquele sorriso maroto que ele gosta de mostrar nas premiações musicais.
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Seis anos se passaram desde aquele primeiro single de Sheeran sair por uma grande gravadora, a Atlantic Records (braço da Warner Music). Pela segunda vez, o músico nascido em Halifax, interior da Inglaterra, vem ao Brasil. Sua turnê, agora, mudou de dimensão. De casa de shows, ele agora se apresenta em arenas. Inicia o giro em Curitiba (Pedreira Paulo Leminski, terça, 23), segue para o Rio (Rio Arena, quinta, 25), São Paulo (Allianz Parque, domingo, 28) e Belo Horizonte (Esplanada do Mineirão, na outra terça, 30). Há poucos ingressos ainda à venda.
O salto na carreira vem da combinação de um hit absoluto do segundo álbum dele, a música Thinking Out Loud, que sozinha levou dois Grammys para casa, em 2016, com um novo álbum, aguardado com antecipação depois de três anos. A combinação funcionou. As músicas Shape of You e Castle on the Hill, lançadas como singles logo na chegada de 2017, dois meses antes do álbum cheio, ÷ (leia-se Divide), em março. Era uma estratégia ousada de ter duas músicas disputando as paradas, uma poderia roubar o protagonismo da outra.
Mas aconteceu o contrário: a levemente safada Shape of You ficou em primeiro lugar nos EUA e no Reino Unido, enquanto Castle on the Hill ocupou a segunda posição. Na terra da rainha, pela primeira vez na história um artista emplacou duas músicas novas nas primeiras posições. Nos EUA, também foi o primeiro artista a estrear duas músicas de uma vez no top 10. Shape of You chegou ao topo das paradas em outros 30 países.
O segredo do pop de Sheeran está na sua normalidade. À exceção das tatuagens praticamente fechando ambos os braços, o inglês de 25 anos parece o seu vizinho. Garoto ruivo que compõe canções sobre sua vida, seus sentimentos juvenis machucados e excessos. Até Divide, sua música não fugia do formato acústico, voz e violão. O single Shape of You traz algo de caribenho e até causa estranhamento. O garoto romântico de Thinking Out Loud, de implorar por um beijo sob a luz de mil estrelas, agora quer o corpo a corpo. Canta sobre esse encontro sexual, embriagado. "Agora meus lençóis têm o seu cheiro", diz um dos versos, retocados por batidas ocas de percussão. A música, depois de se tornar um sucesso, foi acusada de plágio por trazer semelhanças com a faixa No Scrubs, do grupo de R&B dos anos 1990 TLC. Antes de qualquer processo, Sheeran acrescentou os compositores no crédito da canção.
Majoritariamente, no novo álbum, Sheeran soa como um jovem normal, cantando erros e acertos. Homenageia a mãe em Supermarket Flowers e sabe como falar de amor. Colaborou com artistas mais quentes do pop atual, de Taylor Swift a The Weeknd, de Justin Bieber a One Direction, e foi apadrinhado por Elton John e Pharrell Williams.
No palco, contudo, seu melhor momento é só. É quando cria bases de violão e as coloca em looping, camada por camada, até cantar suas paixões avassaladoras. No mesmo instante, ele ganha o público, cada vez mais numeroso - com exceção, talvez, de um certo vendedor de discos fã de Guided By Voices. Será?