A figura do índio está presente em clássicos da literatura brasileira que no século XIX imortalizaram personagens emblemáticos como Iracema, Ubirajara e Peri. Mas somente nas últimas décadas obras produzidas pelos próprios indígenas começaram a ganhar destaque no cenário literário nacional.
Dados do último Censo do IBGE apontam que 896 mil brasileiros se auto-declararam indígenas. De acordo com o levantamento, o Brasil abriga atualmente descendentes de 305 etnias. Até pouco atrás, a maioria desses povos tinha apenas a oralidade como principal meio de transmissão de saberes. Cenário que começou a mudar com a publicação de livros de vários autores indígenas.
Convidados da 41ª Semana Literária Sesc PR, dois autores desse novo segmento literário estiveram em Londrina nos últimos dias e conversaram com a FOLHA sobre o movimento recente que tem dado voz a representantes de aldeias brasileiras de diferentes etnias. Com 24 livros publicados, Olivio Jekupé esteve com o público londrinense na última quinta-feira (15) ministrando, no Sesc Cadeião Cultural, a palestra Literatura Indígena na Cidade. Ele foi um dos primeiros escritores indígenas a escrever sobre a cultura do seu povo. Suas obras destacam o povo guarani e suas formas de viver e pensar.
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Já o ativista, professor, escritor e antropólogo, Tiago Nhandewa é autor de “Quando eu caçava tatu e outros bichos”, que fala das aldeias Guarani Nhandewa, que pertencem à família linguística tupi-guarani e são conhecidos por sua espiritualidade ancestral. Ele comanda neste sábado (15), das 9h às 12h, em Londrina a oficina: "Guaranizando", evento que integra a programação da 41ª Semana Literária Sesc PR.
"Quando criança eu sempre ouvia as histórias de minha avó materna antes de ir dormir. Como não havia energia elétrica em casa, era só lamparina, a nossa diversão eram as histórias de minha querida avó. Acho que foi aí a minha primeira inspiração, como costumo dizer, minhas histórias nasceram ao pé da luz da lamparina”, relata Tiago Nhandewa, ao comentar sobre a motivação para lançar sua primeira obra em 2020.
Morador da aldeia Nimuendaju, localizada na Terra Indígena Araribá, município de Avaí, interior de São Paulo, Tiago acredita que a literatura feita por autores indígenas traz elementos que não eram tratados por escritores que não fazem parte desse universo. “Essa literatura atual conta sobre a realidade das culturas indígenas pelo viés indígena. Os autores escrevem para descontruir estereótipos e diminuir preconceitos acerca dos povos indígenas. É importante para mudar o pensamento da sociedade para melhor”, afirma Nhandewa.
Ele destaca que a abertura de mercado para escritores indígenas é resultado de muita luta. “A abertura aconteceu primeiramente pela insistência dos pioneiros, os primeiros escritores indígenas no início da década de 80, como Olívio Jekupé, Daniel Munduruku e Eliana Potiguara, entre outros que começaram trilhar esse caminho. Hoje há exigências por parte das leis que obrigam o ensino das histórias indígenas nas escolas do ensino básico, mas isso foi luta de diversos movimentos para que ocorresse esta conquista de ter as verdadeiras histórias no currículo educacional. Como disse estes pioneiros foram fundamentais para que surgissem mais escritores indígenas”.
Nhandewa ressalta que além de trazer um novo viés para os leitores, as obras de autores indígenas causaram um impacto significativo e positivo entre os moradores de aldeias. “Posso dizer que a valorização da cultura e das histórias indígenas foi o que mais impactou, principalmente nas escolas que agora podem ter autores indígenas em suas bibliotecas, mesmo que ainda em pouca escala, porque ainda é muito difícil entrar no mercado editorial”,
Em seu livro de estreia, “Quando eu caçava tatu e outros bichos”, Tiago Nhandewa fala das aldeias Guarani Nhandewa onde viveu. A obra narra o cotidiano dos jovens kunumim, que estão aprendendo técnicas de caças tradicionais, e também sobre a preparação para vida adulta. As histórias trazem temas como meio ambiente, cultura indígena, fauna, flora e território.
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