O ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, contradisse frase do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de que o Enem estaria agora com a "cara do governo".
A fala de Bolsonaro veio após denúncias de servidores de interferência ideológica para mudar itens do exame deste ano.
O ministro, no entanto, disse em entrevista à CNN nesta terça-feira (16) que não teria havido qualquer ingerência sobre o conteúdo do exame e que é o presidente quem deveria explicar sua declaração.
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"As provas já foram impressas há meses (...), não há como interferir, nem eu, nem o presidente do Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais] nem o presidente da República. Essa ideia de que houve interferência é uma narrativa de alguns que querem politizar a educação", disse. "Não fui eu que falei [que a prova teria a cara do governo], tem que perguntar ao presidente [o que ele quis dizer]".
Diante de denúncias por parte dos servidores do Inep de assédio moral e pressões para alterar a prova sem respaldo técnico ou pedagógico, Bolsonaro disse na segunda-feira (15), em Dubai, que o exame, a partir de agora, atende aos princípios ideológicos de seu governo.
"Agora, começam a ter a cara do governo as questões da prova do Enem. Ninguém precisa estar preocupado com aquelas questões absurdas do passado, temas de redação que não tinham nada a ver com nada", disse o presidente.
A fala de Bolsonaro provocou reação no Congresso. A Comissão de Educação deve votar nesta quinta-feira (17) a convocação para que o ministro explique a situação. Segundo o presidente da Frente Parlamentar Mista de Educação, deputado Professor Israel Batista (PV-DF), a declaração do presidente da República corrobora as denúncias de interferência.
Parlamentares envolvidos com o tema da educação querem mais detalhes sobre a suposta interferência, incluindo a entrada de um policial federal em uma sala segura onde os exames do Inep são elaborados e cujo acesso é restrito.
A oposição quer ainda convocar o ministro para prestar esclarecimentos perante o plenário da Câmara. Os órgãos de controle também serão acionados.
Já houve representação junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) com pedido de apuração das irregularidades denunciadas e de fiscalização para avaliar a atuação do MEC e do Inep. Estão previstas ações no Ministério Público do Trabalho e na Procuradoria-Geral da República para apurar o assunto e pedir o afastamento do presidente do Inep, Danilo Dupas Ribeiro. .
O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), no exercício da presidência, também contradisse Bolsonaro nesta terça. "O presidente fez menção simplesmente a algo que é a ideia dele, pô. Tem liberdade para isso.
E o Enem está baseado no banco de dados que foi construído há muito tempo, as questões não estão variando. O governo não mexeu em nenhuma questão do Enem", disse.
Às véspera do Enem, que começa no domingo (21), 37 servidores do Inep entregaram seus cargos de chefia no instituto, citando "fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima do Inep". Mas o instituto, vinculado ao MEC (Ministério da Educação), não vai formalizar as exonerações desses cargos até o fim do exame, forçando a permanência dos descontentes, disse o ministro também nesta terça.
Todos eles são servidores de carreira e, mesmo fora desses cargos, continuarão no órgão. Do total de demissionários, ao menos dois indicaram datas para exoneração, o que pode pressionar a direção do órgão -o restante fez pedido de demissão coletivo mais genérico.
Questionado, Inep e MEC não responderam.
No último dia 14, o programa Fantástico, da TV Globo, divulgou reportagem na qual servidores do Inep detalharam pressão para alterar ao menos 20 questões de uma primeira versão da prova deste ano. Os itens, segundo a denúncia, tratavam de temas da história recente e contexto sociopolítico ou socioeconômicos.
O embate ideológico é a principal marca da gestão Bolsonaro na área da educação. O governo tem aversão a questões que abordem, por exemplo, qualquer discussão de gênero e o presidente já fez diversas críticas a itens do exame sob argumento de que seriam de esquerda.
Tanto Bolsonaro quanto Milton Ribeiro já disseram que queriam olhar a prova antes, mas, até onde se sabe, recuaram. O ministro insiste que a preocupação do governo é que não haja itens de cunho ideológico, mas as questões já passam por criterioso processo pedagógico e técnico de elaboração antes de serem incluídas no Banco Nacional de Itens.
A oposição protocolou requerimento para criar uma comissão externa de acompanhamento do Enem. "Essa crise que está instalada no Inep tem nome e sobrenome: chama-se Danilo Dupas. Os 37 servidores que pediram afastamento de funções estratégicas do órgão o fizeram em função desta conduta", disse o líder do PSB na Câmara, deputado Danilo Cabral (PE).
O senador Marcelo Castro (MDB-PI), presidente da Comissão de Educação do Senado, anunciou que irá propor a criação de uma subcomissão para averiguar as denúncias.
Em 2019, o Inep criou uma comissão que censurou questões do Enem. Elogiada pelo Bolsonaro, a ditadura militar (1964-1985), por exemplo, não foi mais abordada no exame.
Em junho deste ano, o jornal Folha de S.Paulo revelou que uma portaria do Inep estabelecia uma espécie de "tribunal ideológico", com a criação de uma nova instância permanente de análise dos itens das avaliações da educação básica. O documento falava em não permitir "questões subjetivas" e atenção a "valores morais" e ia contra posicionamento técnico do próprio Inep.
O MPF (Ministério Público Federal), ao comprovar as informações da reportagem, já recomendou que o governo Bolsonaro se abstenha de criar esse filtro ideológico. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão considerou que o ato pode representar ataque à liberdade de expressão e ao pluralismo de ideias.
O Inep respondeu ao MPF que havia desistido de criar a comissão. A bancada do PSOL na Câmara protocolou nesta terça nova representação à procuradoria sob o argumento de que a recomendação "parece não ter sido suficiente para coibir as práticas abusivas e ilegais do Governo Federal".
A legenda afirma que os fatos recentes deixam claro "que o objetivo do governo Bolsonaro é atentar contra a pluralidade, criando um verdadeiro tribunal ideológico para censurar perguntas elaboradas pela área técnica".
A representação do partido pede processo judicial contra o ministro e o presidente do Inep, e também o afastamento deste último do cargo.
Integrantes do governo têm tentado minimizar as denúncias dos servidores do Inep. O argumento é de que se trata de uma movimentação política, mas, como a Folha mostrou, metade dos demissionários foram alçados a cargos de chefia pelo atual governo.
Também há um discurso dos governistas de que as demissões ocorreram por desconforto com relação a interrupção no pagamento de gratificações para preparação e aplicação de exames. "[Houve] uma discussão a respeito de uma gratificação a mais. Essa é a questão. Isso é um assunto que é administrativo. Não tem nada a ver com prova de Enem", disse Ribeiro após reunião com o ministro da Justiça, Anderson Torres, nesta terça para falar sobre temas de segurança do exame.
Na Câmara, Ribeiro disse que não há chances de trocar o presidente do Inep e minimizou as denúncias. "Essas questões de assédio moral é uma questão muito subjetiva. O que é assédio? Então nós temos lá a corregedoria no MEC, [e] no próprio Inep, eles vão poder fazer as denúncias e, provando, nós vamos tomar as medidas cabíveis".
A Assinep (Associação de Servidores do Inep) nega que isso tenha relação com a insatisfação dos servidores e ressalta que as gratificações sempre existiram. A entidade já divulgou cartas em que critica esvaziamento do Inep e nomeações de critérios ideológicos.
O exame é a principal porta de entrada para o ensino superior, e seu conteúdo é uma referência para as escolas de ensino médio. Neste ano, 3,1 milhões de inscritos são esperados para fazer a prova.