A surpreendente sizígia de Poseidon, o Deus do Mar
Os romanos o chamavam de Netuno e era retratado tal qual a imagem de Zeus, forte, poderoso e com longas barbas, uma figura temerosa de grande poder.
Enquanto seu irmão Zeus carrega como símbolo o raio, Poseidon carrega o tridente e é essa a grande diferença entre ambos os deuses e, consequentemente, a importante diferença entre os conteúdos psíquicos representados nessa cartografia do imaginário.
Nas versões mais comuns desse mito, Poseidon, bem como seus irmãos e irmãs fora engolido pelo pai Cronos por medo de ser destronado por um filho seu. No entanto, em algumas outras versões, Poseidon, assim como Zeus, não fora engolido. No lugar de Zeus foi colocada uma pedra e no lugar de Poseidon a mãe colocou um potro, enganando o marido, de modo que nem Zeus e nem Poseidon fossem engolidos pelo pai.
As semelhanças e diferenças entre os irmãos, não param por aí. Enquanto Zeus disputa e constrói a civilização na qual se baseia hoje a ocidental, Poseidon disputa e briga por tirar as cidades das mãos daqueles que as protegem como Zeus e de Atena, nascida da cabeça de Zeus e patrona de sua cidade homônima Atenas. Em suas lutas, Poseidon acaba por invadir as cidades com suas águas turbulentas.
Assim como Zeus, a fúria de Poseidon é devastadora e suas emoções são sempre intensas e fortes, embora propicie também a calmaria das águas.
Segundo Jean Shinoda Bolen em seu texto Os Deuses e os Homens, embora Poseidon seja identificado com o reino marinho, seu nome significa "marido de Da" designação dada à Terra, desse modo Poseidon ganha assim, a condição de deus pré-olímpico.
Devido a tal sizígia com ‘posis Da’ Poseidon está relacionado aos terremotos e é chamado de Aquele que sacode a Terra.
Os animais que o simbolizam são o touro e o cavalo que representam sua forte sexualidade bem como sua capacidade de fertilização. O deus do Mar e consorte da Terra é sexualmente potente e capaz de impregnar a Terra para que essa produza toda sua variedade de fauna e flora.
Poseidon deus do mar e marido da Terra expressa a natureza em toda sua beleza, em todo seu terror e em todo o seu poder e esplendor.
Poseidon e Zeus fazem parte do arquétipo do pai, do arquétipo do rei e, sobretudo, do poderoso criador. No entanto, enquanto Zeus reside na Polis e se esmera em povoar a Terra originando as cidades, Poseidon, apesar de ser tido em vários textos como um deus olímpico, prefere ficar no Mar, ora nas águas mais fundas ora nas rasas, ora por sobre elas com sua carruagem puxada por cavalos de crinas de ouro. Zeus é o rei da Polis, Poseidon é o rei natural.
Era ele o único deus que possuía acesso às profundezas das águas, mergulhando fundo e dando conta de ficar o tempo que quisesse enquanto as criaturas marítimas o saudavam e brincavam em seu entorno.
Ali, nesse lugar de imensa vastidão e profundidade, Poseidon representa a capacidade de penetrar no reino das emoções, dos sentimentos, padecimentos, da formosura humana e de seus monstros abissais, chegando mesmo a tal profundidade e vastidão onde não mais se distingue o pessoal do arquetípico, uma linha limítrofe entre a sanidade e a loucura.
Enquanto Zeus tem seu símbolo no raio, o que determina seu poder de imposição às suas leis e vontades, Poseidon carrega como seu símbolo máximo o Tridente que, por sua vez, simboliza a Grande Deusa, consorte de Poseidon, em suas três fases que a representam: a virgem, a mãe e a velha.
O Tridente de Poseidon é o falo triplo simbólico a indicar sua função como par da Grande Deusa, também chamada de Deusa Tripla. Com seu Tridente Poseidon bate na Terra e, imediatamente, ali brota uma fonte de água pura.
A fertilidade de Poseidon não se limita a impregnar somente a Mãe para que gere crianças. Ela se estende ao aspecto de Virgem, aquela que não se deixa penetrar pelos homens em sua mente e vontade e também ao aspecto da Velha, a sábia e feiticeira.
De acordo com a teoria da psicologia analítica de Carl Gustav Jung, a instância psíquica masculina impregna a instância psíquica feminina. Ambas as instâncias atravessam homens e mulheres, enfim, todos os gêneros.
Sem a impregnação do masculino, o feminino, embora continue abundante, fértil e capaz de gerar todas as diferenças, deixa de fazer a ação. E tão somente a contemplação não modifica e não transforma sem o uso da ação.
Na qualidade de marido da Terra, o Tridente é utilizado por Poseidon para que a água brote da Terra. Poseidon é a umidade das águas subterrâneas que propicia a vida e também é a fúria das águas que invadem e destroem. A vida sempre carrega em seu bojo a morte.
Poseidon está esquecido muito mais do que seu irmão Zeus. Hoje, Zeus pode ser visto nas grandes fachadas dos prédios que contabilizam lucros; na ânsia pelo poder; no controle dos micros e macros empreendimentos econômicos, financeiros, religiosos e políticos do mundo todo. Zeus é o dono do poder, o governante de tudo e de todos.
Como todo mundo sabe essa terrível ânsia pelo poder tornou-se uma doença psíquica que atropela qualquer coisa ou pessoas que tiverem pelo caminho, além de ser altamente contagiosa.
O que estaria faltando senão o retorno à sensibilidade, o devido reconhecimento aos instintos e ao selvagem que não se deixa dominar nem por uma namorada, nem por um amante, nem por um governo, nem por uma religião e nem por ideologias e ou doutrinas estabelecidas no mundo.
Poseidon que representa a força e a sensibilidade instintual e natural se cansou de viver nas sombras do esquecimento e de lá governa um mundo assolado por guerras, injustiças, calamidades, corrupção e desespero, criando a sombra maléfica de Zeus. A fúria de suas águas abissais já nos invadiu há muito tempo. A dor do mundo será sanada quando Poseidon for reconhecido como rei e passar a governar junto a seu irmão e rei Zeus, não mais na sombra.
A composição do selvagem Poseidon e do organizado e estrategista Zeus reorganizaria o mundo onde um emprestaria ao outro o melhor de si.
Como nota de esclarecimento, o selvagem em nós é nossos instintos reprimidos e desvalorizados. Quando sentimos, quando amamos, quando odiamos, quando permitimos que nossa sensibilidade aconteça, estamos celebrando os instintos, o selvagem. Podemos e devemos nos permitir viver a nossa sensibilidade, se vamos ou não coloca-la na prática é uma opção garantida por Zeus, pela consciência, pelo ego.
O selvagem que mora em nós não pode ganhar, mas também não pode perder. É urgente que se faça a composição entre os gêmeos Zeus e Poseidon. Um é a sombra do outro. São os opostos que se complementam.
Robert Bly em seu magnífico texto sobre a psicologia dos homens a partir de um conto de fadas intitulado João de Ferro, nos apresenta esse mundo rejeitado pelo inconsciente onde o selvagem é libertado de seu cativeiro pelas mãos de um menino que, a partir dessa amizade, cresce para se tornar um homem corajoso e amoroso, restabelecendo em si mesmo o reinado orgulhoso do selvagem, fonte de sua força, de seu poder e de seu amor.
Posso dizer que foi uma grata surpresa estudar e pesquisar sobre Poseidon. E quero muito que algum dos meus leitores perceba e celebre tal grandeza. Não podemos nos esquecer de que os deuses são criações humana e, consequentemente, como em toda criação humana, houve a projeção de forças e potências de si mesmo. Ao analisar os mitos nos encontramos ali projetados.
Lunardon Vaz
Bibliografia consultada:
Junito de Souza Brandão – Mitologia Grega
Jean Shinoda Bolen – Os Deuses e o Homem
Robert Blay – João de Ferro-um livro sobre homens