O Conteúdo Sombrio é Libertador
A Psicologia Junguiana traz à discussão o tema dos opostos. E para falar dos opostos precisamos falar do conceito de "sombra".
A sombra, aquilo que se encontra nas sombras, aquilo que é sombrio para o ego, refere-se a todo conteúdo psíquico que está latente; que foi reprimido ou negado. Conteúdo sombrio é um conteúdo desconhecido pelo ego por não está a luz da consciência, encontra-se na escuridão do inconsciente. Em última instância, instintos que passaram a ser temerosos.
Anima e animus são os arquétipos responsáveis por levar conteúdos de sombra da consciência para o inconsciente e por trazer os mesmos do inconsciente para a consciência. Por isso precisamos ficar muito atentos com a figura masculina e feminina que aparecem em sonhos, delírios e fantasias. Eles estão sempre apontando para um conteúdo que está na sombra da psique.
Devidamente trabalhado em análise libertará o ego de amarras e doenças psíquicas.
Para C.G.Jung , o tamanho da luz corresponde ao tamanho da sombra. O que ele quer dizer com isso é que enquanto existe na consciência uma atitude que se encaixa nos moldes sociais e naquilo que se convencionou a chamar de bom, puro, fiel, lindo, agradável e de bom tom, encontra-se no inconsciente o seu correspondente oposto e de mesma grandeza.
De maneira que ao se esmerar em ser uma pessoa adequada, digna, de princípios elevados e repletos de moralidade, não se deve esquecer que enquanto sua personalidade se cristaliza nesse modelo, ocorre exatamente o oposto no inconsciente. E é a isso que se convencionou chamar de "sombra" da psique, porque esses atributos negados pela consciência estão todos eles, exercendo seu poder via inconsciente e, por assim dizer, inconsequentemente.
Quanto mais reprimidos e negados maior sua disposição em surgir de modo avassalador tomando por completo o ego que não soube lidar com sua sombra, ocasionando depressões, fobias, agressividade desmedida e outras patologias.
É devido à "sombra" que acontece de algumas pessoas cometerem um crime e depois dizerem com espanto: "Eu fiz isso? Mas, não pode ser! Eu jamais faria algo assim, não sei o que foi que me deu par agir dessa forma! Parece até que foi outra pessoa!".
Há muitos outros casos em que os conhecidos e amigos da pessoa criminosa lamentam muito o ocorrido posto que ele ou ela sempre foi pessoa amável, calma, sensata e etc. Talvez estivesse possuído ou possuída, dizem.
Podemos até concordar com a possessão, não com a possessão religiosa, mas sim, que a pessoa esteve possuída pela sua sombra. Aquela parte de si mesmo que tanto ela rejeitou e negou que um dia ganhou tanta força inconsciente que fez como a panela de pressão: explodiu. Possuiu o ego que agora não se reconhece.
O Dr. Carl Gustav Jung não pretendia ficar apenas na compreensão do conteúdo, ele foi além ao engendrar técnicas para que o ego enfrentasse sua sombra de modo a processar sua própria transformação.
Muitos acreditam que esses conteúdos "negativos" devem ser rechaçados pelo ego, mas para a Psicologia Junguiana, muito pelo contrário, os conteúdos sombrios devem ser acolhidos pelo ego, compreendidos, percebidos e tratados.
Aí muitas pessoas julgam que com o acolhimento estarão propiciando acontecimentos sombrios ou que a partir desse acolhimento do ego este passará a ser e fazer coisas "erradas".
Não é nada disso que de fato acontece quando o ego acolhe os conteúdos de sombra. A partir do momento em que o ego compreende e lança a luz da consciência sobre o sombrio ele fica "iluminado". O que quero dizer é que ele perde o caráter estritamente instintual. Quando a razão acolhe o instinto ambos se transformam. A razão se mescla com o instinto e este com a razão. Dessa composição emerge a multiplicidade onde antes existia apenas a dualidade, o maniqueísmo.
Assim sendo, o ego que é o centro da razão e da consciência torna-se mais sensível e menos engessado. E o instinto que antes era só impulso torna-se razoável. A vida não fica mais em branco e preto, torna-se colorida porque a união dos opostos explode em variadas nuances de todas as cores.
É simples, mas não é fácil porque o ego teme se perder; teme olhar seu próprio abismo, suas paixões mais secretas. Seu orgulho em estar sempre certo, coberto de razão e belo sofre grande golpe. Sem esse sangue da ferida narcísica derramado, não acontece a transformação.
A sombra não pode ganhar, no entanto, também não pode perder.
E vejam que falta de discernimento desse ego, pois na medida em que ele acolhe um ou mais instintos, ao invés de se perder, ele se fortalece.
Nesse momento, o ego, na sessão de psicoterapia pergunta por que não ter feito isso antes. E ele mesmo responde: porque estava muito fraco para ver e assimilar o que Narciso acha feio e que a moral reprimiu.
O fraco não tem capacidade de acolhimento, isso é coisa para os fortes, para os saudáveis que não engessaram sua capacidade de amar e de se entregar à vida com todas as suas paixões.
livros consultados:
HILLMAN, James - Anima - Ed. Cultrix - SP - 1995
JUNG, C.G. - A Vida Simbólica - Vol. XIII/1 - Ed. Vozes - RJ - 1988
JUNG, C.G. - A Energia Psíquica - Vol. VIII/1 - Ed. Vozes - RJ - 1988
Consultório de Psicologia Analítica e Estudos Junguianos
Sonia Lunardon Vaz
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