O clássico filme ENTREVISTA COM O VAMPIRO de Neil Jordan é baseado no romance de Anne Rice e aqui nos remete à simbologia do imaginário propiciando um pequeno entendimento do comportamento coletivo.
O Arquétipo
Segundo consta no Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier e Clain Gheerbrant, "o vampiro é um morto que supostamente se levanta do túmulo para sugar o sangue dos vivos".
Representa o apetite de viver que quando saciado, imediatamente se esgota dando origem a uma compulsão dentro da dialética devorado/devorador ou perseguido/perseguidor. No contexto neurótico, essa fome não é saciada pelas suas próprias potências, ficando assim projetada na figura do outro.
O indivíduo não lançando mão de sua energia psíquica como veículo para despertar potências instintuais, enxerga no outro a força que lhe é própria, mas que lhe é inconsciente. Originando um comportamento vampiresco que inclui o jogo de sedução, visando apropriar-se do objeto de desejo. Porém, tão logo o consiga, estará novamente insatisfeito à procura de mais um novo objeto.
Por detrás desses jogos de sedução de caráter destrutivo, vamos alcançar um núcleo psíquico relativo ao complexo de inferioridade e suas conseqüentes defesas neuróticas.
O vampiro não apenas simboliza a inversão das forças psíquicas contra o próprio indivíduo como também se estende para a destruição do objeto desejado. A vítima de um ato vampiresco estará contaminada. E ao não cuidar de sua própria sombra, contaminará outro, de forma a perpetuar a projeção, tendo por base o ressentimento. Lembremos que as doenças psíquicas são bastante contagiosas, tal qual o riso, a tristeza ou o bocejo.
O elemento psíquico correspondente ao vampiro que corrói a psique pode vir a se transformar numa sede e fome de intensidade pela vida. E a saciedade só poderia ocorrer a partir da fonte renovadora do inconsciente, ou seja, a partir do self.
No passado, a figura do vampiro se mostrava envolta a uma aura assustadora. Era possível identificá-lo com facilidade. Hoje, os vampiros já aprenderam a embaralhar tão bem os códigos que se passam por pessoas comuns em muitas circunstâncias.
A correlação que se faz está entre a neurose tida como o mal do século passado e a psicopatia que foi prevista pelo renomado médico e psicólogo, Carl Gustav Jung, como o mal do século XXI e que vem se alastrando por contágio psíquico. Em nossos dias, ela já é um fenômeno social. O mais aterrador é que ainda não se dê a devida atenção e importância às doenças psíquicas, pois se na neurose a cisão da personalidade é leve, já na psicopatia a cisão é bem mais intensa podendo cindir completamente a personalidade. Ou seja, a doença psíquica em nosso século, não apenas se alastrou como também se intensificou.
Daqueles tempos, os vampiros, conservaram e aperfeiçoaram seu fascínio. Os sóciopatas encontraram acolhimento e oportunidade, principalmente, na política e nas corporações, como tem sido comprovado por equipes de psicólogos pesquisadores. Em grande parte, o fato se deve às características do portador de sociopatia que por não acessarem o núcleo afetivo e por terem o espelho moral estilhaçado e tudo isso aliado a uma inteligência livre de apegos emocionais, é considerado como o perfil mais apropriado para lideranças e para praticar as várias formas de corrupções por não apresentarem escrúpulos.
Os vampiros apuraram suas técnicas e já não se intimidam com água-benta, alho e outras crendices como caixões, estacas de madeira e crucifixos. Ou seja, os limites estabelecidos pelas religiões e superstições estão vencidos quando não são eles mesmos objeto estratégico ou de manutenção para a doença.
De acordo com o texto do filme, somente o fogo pode causar limite. Dentre as várias simbologias do fogo, extraímos algo em comum no qual o fogo é transformador e purificador. De modo que, somente o enfrentamento às paixões representadas pelo fogo e, conseqüentemente, a honestidade para com aquilo que sente somados ao conhecimento desses complexos poderiam levar o vampiro a se transformar.
O vampiro Louis revela a teoria dos contrários em que sombra e luz se complementam. Quando diante da surpresa do repórter que lhe disse: "pensei que vampiros não gostassem de luz". Louis respondeu: "Adoramos!".
Tudo que está na sombra almeja alcançar a luz. Os complexos inconscientes fazem tantos alardes através dos sintomas que acabam por se impor à consciência de um jeito ou de outro, seja por doenças psicossomáticas ou pelos diversos tipos de neurose.
As experiências do médico Carl Gustav Jung, ainda no início de sua carreira com as associações e testes psicogalvânicos, o levaram a concepção de tal autonomia dos complexos, bem como aos primeiros passos sobre a teoria da psicossomática e da teoria dos arquétipos. Importante salientar que os sintomas são reconhecidos como distorções da energia psíquica que carregam em si as repostas aos conflitos interiores.
O vampiro tem sua potência de impulso de vida soterrado na inconsciência, sofre de muita solidão e busca a vida no contato com o outro, embora de maneira destrutiva e teme a luz do sol, ou seja, teme a luz da realidade de seu estado interior.
O FILME
A tragédia de Louis começa com a morte de sua esposa e filha por ocasião de um parto mal sucedido.
Não suportando a finitude, passa a viver corroído pela autopiedade. Embriaga-se para esquecer aquilo que deveria enfrentar de modo a elaborar as intensidades da pulsão de morte.
Todo vampiro é ótimo observador e Lestat percebe sua intensidade. Na inversão das forças psíquicas, embora ocorra destruição e morte, ainda existe a vontade, ainda é vida. É devido a essa percepção que Lestat admira-lhe a força e a deseja.
Ao seu modo, impulsivo e cruel, arrebata Louis. Ironicamente lhe pergunta se ainda deseja morrer ou se já experimentou o bastante, ao que Louis responde que foi o suficiente. Lestat mostra-lhe que sua vida perdeu o sentido e que pode se tornar um imortal.
Perder o sentido de vida significa perder o corpo por onde se recebe a impressão e se expressam os sentidos. Louis se despede do amanhecer. Ao aceitar a imortalidade também não mais acolherá o fim das coisas e assim sendo, não poderá haver um novo amanhecer, um novo começar, o devir.
Lestat o leva à fronteira com a morte ao mesmo tempo em que o faz comprometer-se com sua escolha.
Louis tem que lhe afirmar que deseja mesmo viver para sempre. Os imortais Lestat e Louis admiram as coisas do mundo mortal e concordam que tudo é fascinante.
Estão estagnados numa postura narcísica. Feitos expectadores invejam a vida, suas intensidades e transformações. E porque não aceitam a finitude se protegem contra todo e qualquer sofrimento, como se isso já não fosse um sofrer. Mas, não deixam de desejar participar da vida e de tudo fazer para obtê-la.
Lestat critica Louis por ainda se apegar à "indisposição humana" da compaixão e da autopiedade.
Pede para Louis abandonar essa obsessão. E que agora ele é um predador, um assassino e que é possível acostumar-se a matar.
Lestat busca chocá-lo com sua aberta crueldade e frieza. O acusa de possuir senso estético, algo bem próprio de Apolo, o deus da consciência, de modo a duvidar de que seja um assassino.
Louis encontra Cláudia, agora órfã. Com muita compaixão, Louis seduz e morde-lhe o pescoço percebendo seu prazer ao ouvir o ritmo acelerado do coração de sua presa. Parece que a intensidade de vida só lhe alcança através da intensidade da morte.
Lestat deseja que Louis seja um igual. Que ele veja o mundo de acordo com sua própria ótica. Busca seduzir Louis filosofando: "O mal é um ponto de vista". Só que nessa afirmação ainda existe a dualidade bem e mal. Somente a partir da união dos opostos é que se torna possível extrapolar a dualidade para causar a multiplicidade e o julgamento extramoral que Lestat pretendeu fazer Louis acreditar.
Quando afirma "Deus mata indiscriminadamente", parece querer dizer que a natureza é cruel por excelência. Viver e morrer é o próprio exercício de viver. O fluxo de vida atravessa, explode e se extingue sem piedade e sem valores morais.
No entanto, quando diz que "Nenhuma criatura se parece com Ele – só nós", evidencia que há na enfermidade psíquica a fantasia de imortalidade e de onipotência que justificam as atrocidades praticadas desde um simples ato narcísico até um fenômeno mundial feito o nasismo.
Cláudia agora é um objeto, um presente de Lestat para que Louis não vá embora e que permaneça como cúmplice e companheiro.
Há dois acontecimentos que aqui se pode apontar, o primeiro é que na condição de vampiro, o indivíduo se fecha sobre si mesmo de forma a sofrer de tédio e de solidão.
Em segundo lugar, buscam contaminar outros para que nessa "igualdade" se faça uma união mística que irá compensar a solidão.
Como Louis sabe que se alimenta de sangue alheio e não se orgulha disso, sente-se culpado. Cláudia manipula sua culpa a seu favor e exerce controle sobre ele. Por detrás da máscara de anjo, cheia de dengos, calculista e cruel, conta com a ajuda de Louis para envenenar Lestat com o sangue morto dos garotos gêmeos. Por outro lado, a crueldade de Cláudia se equivale à crueldade do próprio Lestat que imagina haver fidelidade e cumplicidade por ambos serem iguais nisso. Devido a tal identificação e também por desejar manter um controle sobre Louis, Lestat cai na armadilha.
Pela primeira vez Lestat demonstra sofrimento. Queima-se no fogo (nas paixões) e se afoga no pântano (emoções). O sangue do crocodilo e das cobras é sua salvação.
O crocodilo simboliza morte e renascimento. As cobras não apenas simbolizam a energia libidinal de compreensão freudiana, como também indica que sua anima ou suas forças criadoras estão tão soterradas no inconsciente que ainda se conserva em sua forma mais primitiva.
Cláudia anseia por novas companhias, outros vampiros. A mulher-menina se busca no espelho do outro. A busca pela mãe reflete sua necessidade de crescer, mas sempre a partir do ponto em que sofreu o trauma da perda, ou seja, não elaborou o luto e nem foi adiante.
Louis, de modo paternal, a segue e mima. Quando acreditaram não existir outros vampiros, são encontrados por Santiago que os apresenta a Armand e sua companhia de teatro.
Ao assistir ao espetáculo no qual os vampiros seduzem a platéia e assassinam uma da expectadora, Louis sente desprezo por aqueles "vampiros que fingem serem artistas que fingem serem vampiros".
Parece que Armand pensou que com o feito teria seduzido Louis. Grande engano, na verdade, só serviu para afastá-lo. Louis não se deixa seduzir pelas estratégias de corrupção, muito pelo contrário, qualquer nível ou tipo de corrupção o enoja.
Santiago, um vampiro "esperto" e cínico, lê na mente de Cláudia e de Louis que estes mataram Lestat. Junto aos demais vampiros do teatro, promovem a vingança. Cláudia e sua mãe postiça morrem queimadas na luz do sol. Louis encarcerado numa das paredes é libertado por Armand que está mais interessado em se atualizar com Louis do que viver com aqueles decadentes.
Ateando fogo, Louis destrói a todos eles, exceto Armand que diante da negativa de Louis em lhe "ensinar" apela ao sentimentalismo e culpa que acredita haverem em Louis e afirmando que pode ensiná-lo a não se arrepender. Não entendeu nada, pois Louis tem sua própria ética e nesse caso não há culpa e nem sentimentalismos.
Diante de Louis, Armand sente-se confuso e curioso. Sua capacidade em se emocionar, seu sentimento de culpa, seu senso estético diferenciado provocam e fascinam.
E aí, numa noite qualquer Louis reencontra Lestat.
O encontro potencializa ambos. Louis rememora sua trajetória numa entrevista com o repórter ávido em ser transformado num vampiro. E Lestat recupera desejos e força. Depois de se rir da necessidade de Louis em contar e recontar sua história, acaba por satisfazer o desejo do repórter.
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DAS ESTRATÉGIAS ULTRAPASSADAS E DAS MODERNAS
A sociedade e o sistema de vida atual contribuem largamente para que homens e mulheres sintam-se apenas como objeto da ação e não sujeitos da ação, condição básica para o surgimento dos vampiros. Condições de vida, instintos, traços próprios de personalidade, bem como as heranças histórica e psíquica, determinam o surgimento e ou o aprimoramento de estratégias de sobrevivência. Entrevista Com o Vampiro revela algumas, inclusive a mais moderna e fascinante.
ESTRATÉGIA SANTIAGO
Santiago reúne em si várias características de estratégia social considerada decadente. Não porque estejam exterminadas, mas por que estão "manjadas". E por não mais exercerem um poder genuíno, o poder da sedução, são elas apenas toleradas por conveniência ou acomodação.
Ele representa o cinismo, o sonso, o "esperto" que busca tirar vantagem de todos adivinhando-lhes o pensamento e usando a técnica do espelho, ou seja, tudo que o outro faz, ele também faz. Tudo que o outro gosta, ele também diz gostar e assim por diante. Faz parte do grupo que acredita em "ler na mesma cartilha" como forma de controle e poder.
Se por acaso, o outro não "ler na mesma cartilha", esse vampiro o exclui numa espécie de caça as bruxas, como aconteceu no filme.
Seu "amor" logo se mostra como desprezo, ódio e vingança. E seu ressentimento parece nunca ter fim.
ESTRATÉGIA ARMAND
Armand é o mestre. Seu fascínio corresponde à sedução pelo conhecimento. Ele detém um saber e através dele exerce controle e poder sobre um grupo ou indivíduo.
Sua estratégia não é tão decadente como aquela representada por Santiago, mas mesmo assim, já está superada.
O grande guru das massas ainda existe e continuará existindo, no entanto, já não possui o mesmo fascínio de outrora. Parece que em muitos casos o "mestre" está ele mesmo, sendo usado quando e como convém.
ESTRATÉGIA CLÁUDIA
Cláudia representa o complexo materno e a histeria.
Ela é a mulher-menina. Aquela que jamais crescerá, jamais alcançará as virtudes de ser mulher, portanto, sempre terá problemas sexuais, indisposições a tudo que exija maturidade emocional e com dificuldades orgásticas. Ao criar uma filha será irmã, não dá pra ser mãe se ainda ela mesma é filha.
Mesmo fazendo todos os dengos ditos "femininos" e utilizar roupas "femininas", se mostrar sedutora e angelical, emocionalmente ela é uma adulta cristalizada na infância. Portanto, não dá conta de uma relação homem/mulher, nas relações afetivas ela é a filha e o outro é o pai. Não se pode esperar que seja orgástica, não fica bem uma criança se deitar com um adulto. No máximo, a mulher-menina finge capacidade orgástica muitas vezes se parece com ninfomaníaca que por não chegar ao orgasmo permanece no nível da excitação.
No filme ela não tem capacidade nem mesmo de gerar outros vampiros. É uma mulher incapacitada. O mundo parece se tornar um parque de diversão de adultos infantilizados.
O filme demonstra claramente o que realmente acontece na prática. Esse tipo de mulher-menina tem inveja das mulheres e de fato, busca destruí-las. Acontece que ela está em busca da mãe. Não se desligou do complexo materno e jamais se sente saciada ou satisfeita.
Como no filme, ela teria de se queimar em seu complexo materno de modo a enfrentar que está fora do útero e que não voltará a ele.
Como no mito de Perséfone , no qual Perséfone só se torna Core, a grande guardiã e guia das almas, quando abandona a mãe e desce ao Inferno, a mulher-menina teria de descer ao seu inferno para encontrar sua identidade e diferenciá-la de sua mãe. Lembrando que negar a identidade da mãe, não é se diferenciar dela.
E nas relações afetivas, de fato, como no filme, ela manipula o outro através de chantagens emocionais, dengos e dores. O outro, realmente toma para si a responsabilidade da relação e na maior parte das vezes permanece com ela por dó ou por acreditar que ela é tão fraca que não poderá viver sem ele.
E é impressionante o tanto de fascínio que esse tipo vampiresco tem exercido sobre os homens brasileiros. Essa estratégia pode não dar muito certo principalmente na Europa, mas aqui no Brasil está bem viva e esperta.
ESTRATÉGIA LESTAT
A força de Lestat vem da crueldade. Poderia ser análoga aquela força psíquica que nos fala como se fosse uma mãe má: faça sozinho, se não fizer hei de comê-lo. De forma a nos tornar independentes e fortes caso não nos percamos no ressentimento.
Lestat é a força da crueldade natural, desvirtuada pela inversão de energia psíquica, aqui se mostra como um conteúdo psíquico que empurra mais ainda para a destruição e inconsciência. A distorcida força de crueldade de Lestat encontra em Louis uma boa oportunidade. As forças psíquicas da crueldade natural são como todos os demais instintos. Eles não podem ser ignorados e também não podem ser o centro da energia psíquica. Eles não podem perder e nem ganhar.
Lestat ri do "filósofo", do "mártir" e o acusa de amar sua culpa. Uma análise coerente e que demonstra sua perfeita visão e leitura das emoções através de sua função pensamento.
No entanto, Louis tem nessa virtude sua estratégia devoradora porque tal como Lestat, transvalorou as virtudes, utilizando-as para devorar e manipular, a ponto de levar o próprio Lestat a matar por ele.
Por detrás da frieza e crueldade de Lestat, que são defesas empregadas pelo ego, pode-se verificar sua ânsia inconfessada de relacionamento. Lestat não quer ficar só. O "sangue morto" que vem contaminar-lhe a existência até que não mais tenha corpo vivo parece ter se originado nesse sentimento de abandono, o que pode explicar sua carência e agressividade. Não se pode deixar de admitir que Lestat é o mais honesto dentre os demais vampiros. Seria bastante possível resgatar sua potência criadora. Ele nos lembra o inimigo que declarada e honestamente, informa que é inimigo.
A defesa em forma de crueldade, através do enfrentamento às paixões, se transmuta na crueldade natural que se expressa abundantemente, tanto na natureza quanto na inocência da criança. Por pertencer à natureza primária, ela é uma estratégia imortal.
ESTRATÉGIA LOUIS
Essa estratégia foi deixada por último por que além de ser imortal é, se não a mais fascinante, a mais intrigante.
Louis não é bom, nem mau. Simplesmente está consciente de sua morbidez. Sabe sobre sua dor, seus anseios, seus medos, suas tristezas e solidão. Sabe de seu poder e de seus limites. Conhece sua própria sombra podendo assim, ver a sombra alheia. É tão emocionalmente inteligente que vive em tédio por que lhe é muito difícil encontrar outro alguém tão sensível e perceptivo para oportunizar a troca. Louis vê aquilo que está por detrás das máscaras de todas as pessoas e de todas as estratégias sociais. E pior que isso, ele as considera primárias ou simplesmente desprezíveis.
Ser um vampiro para Louis, não é uma opção, é condição de alguém que está sensivelmente bem mais acordado que os de seu meio ou de sua época. Pode-se dizer que Louis sente com a mente e pensa com os sentidos. É um produto de um mundo globalizado e marcadamente inteligente tecnologicamente. Só que são emergentes e poucos. Totalmente incompreendidos, correm o risco de não florescer por não se ajustarem a uma tessitura psíquica ainda inferior à deles. Num mundo em que sentimento e sensação são as funções psíquicas mais aceitáveis é de se prever que aquele que possui uma mente intuitiva/pensamento seja marginalizado.
Nada é capaz de seduzir Louis além de uma expressão genuinamente cândida e honesta. Tão logo ele perceba a corrupção que está inserida no comportamento ou no pensamento do outro, ele já despreza e novamente se encontra só.
Por isso Louis chora ao morder o pescoço alheio. Gostaria de não precisar disso. Mas, não há outro caminho. Para sobreviver suga aqui e ali as raras manifestações genuínas e dessa maneira se percebe só. E dessa maneira percebe a solidão do outro. Isso o faz chorar.
Louis não sente orgulho de sua história, ele a conta e reconta buscando encontrar o entendimento e ademais, essa é uma maneira garantida de conseguir uma comunicação efetiva na qual ele mesmo pode vir a ser tocado pelo outro.
Em uma versão corrupta e corrompida de um tipo como Louis, temos aquele vampiro que é sonso. Ele faz de conta que chora para ganhar o que deseja. Faz-se de vítima e exerce o controle sobre o outro através do sentimento da piedade. De fato esta é uma estratégia de sobrevivência bastante eficiente, porém, ela já é antiga e vem desde o advento do Cristianismo e nesta nossa sociedade sentimental/sensação esta estratégia corrompida e corrupta é espetacular em sua eficiência.
Dizer que Louis faz parte desse rol de estratégia seria desqualificá-lo por simplificação. Louis é bem mais complexo. É alguém que corporifica sua época sem, no entanto, se encaixar junto aos demais. Além disso, ele não se importa com os decadentes. Não há nele nenhuma intenção idealista para com estes ou para com a humanidade em geral. Ele despreza a doença dessa humanidade e saber que ele mesmo a possui de algum modo, lhe é penoso e doloroso. Como ele mesmo diz, "a descrença na graça, a descrença nos séculos, refletem a decepção". Louis é um exemplo do tédio. É como se Louis fosse obrigado a viver feito um morto-vivo. É extremamente potente, inteligente, perspicaz, mas para onde quer que olhe tudo ao redor lhe parece vazio e decepcionante. Não havendo onde depositar sua força ocorre um movimento de entropia que o faz definhar até a morte.
A QUESTÃO DA ANIMA
No início dessa estória, a anima-esposa grávida e assim prenha de criatividade e fértil para o devir, foi soterrada no inconsciente, ela morreu. O ego representado por Louis está fragilizado e a mercê das armadilhas sombrias.
Mais adiante a anima surge novamente, mas está mudada, agora é apenas uma menina impedida de crescer e impedida de parir é a representação de um feminino despotencializado que reflete o ego sexualmente indiferenciado, egoísta por se manter ainda imaturo. A capacidade de criação está seriamente comprometida.
Esta anima assume a face destruidora da imagem da multiplicidade feminina, infértil na criatividade e produção de vida, egoísta, supérflua, de escassez afetiva, dada a afetações desproporcionais aos fatos, invejosa e altamente manipuladora.
Na relação com Louis ela lhe dá exatamente o que ele deseja: uma criança para cuidar de modo a se sentir útil e importante sem no entanto enfrentar o relacionamento maduro e livre de dependências.
Com Lestat, a anima-menina é apenas um objeto que se dá de presente, embora a crueldade da menina seduz Lestat que se engana ao acreditar que isso seja algum nível de cumplicidade quando é apenas um jogo manipulatório.
Esta anima que passou de mulher criativa e criadora para uma menina parece refletir a realidade afetiva de nossa atual sociedade. O fato de os vampiros estarem fazendo tão intensamente parte do imaginário do coletivo implica em uma indiferenciação afetiva e sexual tal qual a anima menina faz denunciar. Não precisa de muita pesquisa para se verificar que as relações de hoje estão mais para ralações, que ocorre mais desencontros do que encontros e que o corpo está banalizado e é objeto de uso de acordo com a deusa euforia do momento. O imaginário reflete o comportamento e a consciência coletiva.