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O DESEJO DE ASAS

31 dez 1969 às 21:33

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Win Wenders sonhou um filme que por sorte é um sonho. Em português, ele se chama Asas do Desejo.
Sua produção nos fala de um tempo sem tempo. Daquilo que está sempre ali e que ainda não chegou, uma espécie de ruptura, um tempo sem métrica, o jorrar de um tempo flutuante. Um estado de intensidade sem cronologia. É o próprio devir. Esse algo que parece se fazer em lentidão ou velocidades anormais. Um tempo medido tão somente pela intensidade.

Talvez até, um estado de loucura onde as aberrações do movimento ganham independência em relação aos próprios fatos e pessoas. Anomalia, desajuste cronológico capaz de provocar metamorfoses e desmoronar a dada organização de mundo.

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E de repente, estamos diante do inusitado. Diante do impensado desejo dos anjos em se tornarem humanos! Da impensada inveja desses anjos em relação a finitude humana, com todas as suas paixões e sentidos do corpo que trazem e provocam as intensidades, a vida.

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A inversão desses valores é provocativa. Pode nos persuadir a redimensionar o como estamos ocupando nossa efêmera existência. Pode nos impelir a questionar sobre o que é a verdade e ou o que é falso. Será mesmo que o artificial não é verdadeiro? Como aquela flor que de tão bela pensa-se ser artificial, por exemplo.

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Num terceiro e último momento, podemos perguntar quem são esses anjos que perambulam pela cidade em meio à população?
Chegam devagar a escutar pensamentos, adivinhando desejos e segredos, percebendo as marcas da desesperança sem, no entanto, saber o que é sentir tais paixões e o sabor tão cruel quanto libertador de cada finitude e que por não possuir corpo, não possuem também o poder de modificar os acontecimentos.


Aqui, os anjos é que são infelizes enquanto os homens e as mulheres vivificam a vida através da pele. Os sentidos e aquilo que provocam formam o objeto de inveja dos anjos que conhecem apenas o tédio.
A imortalidade passa a ser percebida como um cárcere. Ao mesmo tempo em que é a causa de um profundo tédio tendo por base uma forma assexuada e sem histórias de sentido.

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Talvez, esses anjos sejam aqueles que substituíram as sensações ou sentidos do corpo por um agente televisivo ou uma postura rígida em "nunca mais vou amar/sentir" ou qualquer outra droga, como excesso de trabalho ou esoterismo, optando por uma existência desencarnada e sofrendo a dor de não sentir dor.


Enfim, Wim Wenders, nos desloca da atitude passiva de mera absorção daquilo que está posto para uma atitude que, no mínimo, é inquietante a ponto de não conseguir "parar" para ver todo o filme.
Todavia, ao se permitir assistir o filme, as questões mais inflamadas sobre o por que e para que viver podem vir à tona como lavas abrasivas há muito soterradas pelo processo civilizante.

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O tempo do filme é o tempo da intensidade onde cada fato e ato é tomado e saboreado com a lentidão que requer a intensidade.
Como vivemos num mundo neuroticamente apressado, num tempo de Cronos, Win Wenders acerta em nos confrontar com o tempo da intensidade, o tempo de Kairós, nos incitando a reconhecer a força que está e é do corpo, ou seja, os sentidos.


Se a discussão que o filme propõe for feita, é provável que os valores em relação ao corpo sejam redimensionados e com isso redimencionados também serão todas as chamadas virtudes propostas pela sociedade que até então não somente negou como condenou as expressões e sentidos do corpo.

Talvez, a função pensamento da psique, num exercício junto aos sentidos, possa perceber que também faz parte do corpo e admitir que pensamento é corpo e que portanto, não há como separar os desejos mais condenados por aquele que erroneamente julga só pensar, daquele corpo que é pensante por natureza. De forma que, pensamento e seus julgamentos que buscam negar o corpo, são eles mesmos, o próprio corpo em negação.


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