Estava fazendo uma noite muito quente. O luar era tão claro, que se enxergava quase como se fosse de dia. Perto da lagoa havia uma importante tribo de índios, que hoje não existe mais.
Entre os índios, havia um velho chefe, muito procurado pelas crianças, que gostavam de ouvir suas histórias.
Como a noite estava quente e o luar muito lindo, o velho cacique havia-se sentado bem perto da lagoa, para descansar e gozar daquela beleza. Logo que as crianças descobriram que ele estava ali, foram sentar-se perto dele. Pediram que lhes contasse uma história.
O cacique, porém, estava tão distraído, admirando a vitória-régia, que nem percebera a chegada das crianças. Custou para que ele saísse daquela contemplação. Por fim, sorriu para elas.
- O que o senhor estava vendo com tanta atenção? - perguntou uma.
- Aquela estrela! Aquela bonita estrela, respondeu o cacique, apontando para a vitória-régia.
As crianças ficaram admiradas e trocaram um olhar significativo. A vitória-régia era uma estrela? Pobre cacique!
Ele percebeu o espanto das crianças e lhes disse:
- Não tenham medo! Não fiquei doido, não. Não acreditam que a vitória-régia seja uma estrela? Então ouçam:
Faz muitos e muitos anos. Nem sei quantos. Em nossa tribo, vivia uma índia, muito moça e muito bonita, a quem haviam contado que a lua era Jaci, um guerreiro forte e poderoso.
A moça apaixonou-se por esse guerreiro e não quis casar-se com nenhum dos índios da tribo. Não fazia outra coisa sendo esperar que a lua surgisse. Aí, então, punha os olhos no céu e não via mais nada. Só o poderoso guerreiro. Muitas vezes, ela saía correndo pela floresta, os braços erguidos, procurando agarrar a lua.
Todos da tribo tinham pena da índia, pena de vê-la dominada por um sonho tão louco.
E o tempo foi passando... Contudo, o sonho não deixava a pobre moça em paz. Queria ir para o céu. Queria transformar-se numa estrela, numa estrela tão bonita, que fosse admirada pela lua. Mas a lua continuava distante e indiferente, desprezando o desejo da moça.
Quando não havia luar, a jovem permanecia aborrecida em sua oca, sem falar com ninguém. Eram inúteis os esforços dos amigos e parentes para que ela ficasse com as outras moças. Continuava recolhida, silenciosa, até a lua aparecer novamente.
Uma noite em que o luar estava mais bonito do que nunca, transformando em prata a paisagem da floresta, a moça repetiu sua tentativa. Chegando à beira da lagoa, viu a lua refletida no meio das águas tranqüilas e acreditou que ela havia descido do céu para se banhar ali. Finalmente, ia conhecer o famoso e poderoso guerreiro.
Sem hesitar, a moça atirou-se às águas profundas e nadou em direção à imagem da lua. Quando percebeu que havia sido ilusão, tentou voltar, mas as forças lhe faltaram e morreu afogada.
A lua, que era, um guerreiro forte e poderoso, uma espécie de deus, viu o que havia acontecido e ficou compadecida. Sentiu remorso por não ter transformado a formosa índia em uma estrela do céu. Agora era tarde. A moça ia pertencer, para sempre, às águas profundas da lagoa. Porém, já que não era possível torná-la uma estrela do céu, como ela tanto desejara, podia transformá-la numa estrela das águas. Uma flor que seria a rainha das flores aquáticas.
E, assim, a formosa índia foi transformada na vitória-régia. À noite, essa maravilhosa flor se abre, permitindo que a lua a ilumine e revele sua impressionante beleza branca. Durante o dia, quando iluminada pelo sol, ela se mostra rósea.
Texto extraído do livro Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). - São Paulo: APEL Editora, sem/data
Ilustração de J. Lanzellotti
SOBRE A LENDA
No Oriente a Lua é considerada um elemento masculino, somente após as conquistas da civilização ocidental é que a Lua passou a simbolizar o elemento feminino.
Os primeiros habitantes do Brasil considerava a Lua como elemento masculino e nessa lenda podemos assistir a influencia da civilização ocidental em nossa psique nacional.
Os europeus inventaram o amor romântico na época das grandes guerras em que os jovens saiam em batalhas para a conquista e ou defesa de territórios.
Deveria haver uma motivação para que esses cavaleiros tivessem disposição para irem de encontro a morte. Nasceu assim o amor romântico, donde a moça se postava na janela ornada de flores e balançando seu lencinho, dizia adeus ao nobre cavaleiro deitando-lhe ao coração a promessa de que em sua volta triunfal, o amor se realizaria.
Enquanto ele, nos campos de batalha, sonhava com sua amada e a promessa de seu amor, ela ficava em sonhos esperando e suspirando.
Daí a característica do amor romântico ser melancólico, sonhador, platônico, cheio de dores e febres pela ausência do ser amado.
Como na lenda da Vitória-Régia muitas mulheres e homens ainda sonham acordados com esse tipo de amor. Podendo até chegar a desenvolver a obsessão pelo seu objeto de prazer que se encontra inacessível por alguma razão.
O amor-romântico ama mais a ausência e a dor de si mesmo do que propriamente a realização do desejo.
Em sua inocência e ignorância, esse padrão de amor, atribui a uma determinada pessoa o poder de produzir e exercer a força do amor naquele que espera.
Desse modo, o desejoso fica totalmente a mercê e dependente do outro.
Na lenda a bela índia, não encontrando guarida em seu amor romântico, primeiro ficou obcecada, depois se tornou um vegetal tão longe da comunicação com outras pessoas quanto a estrela no céu. Fechou-se sobe si mesma e agora vegeta.
Narcisicamente encapsulada, não mais toca e nem se deixa tocar. Para sempre, aguarda que o ser amado lhe devolva uma parte de si mesma que, absurdamente, ela sente, em sua obsessão, ser o próprio amado. Como essa pessoa não lhe dá aquilo que deseja, ela se fecha para o mundo e conseqüentemente, o mundo lhe deve, assim quer o seu ressentimento.
Os índios representam o instintual, o espontâneo. A cultura européia que aqui se estabeleceu adoeceu os instintos com a loucura, por eles inventada, do amor-romântico.
Há uma música do Renato Russo onde ele canta a dor e a saudade, bem como a morte de um grande amor. Não se nega a essa dor e nem ao luto. Antes, acolhe o fim. Na seqüência, demonstra sua dor e no final ele já está acolhendo o novo acontecimento e o pulsar da vida sem se deixar estagnar. A vida ali o atravessa e se faz presente tanto na dor da perda quanto no continuar através do brincar com os cavalos marinhos. Confira a seguir, essa poesia rica e encantadora:
VENTO NO LITORAL
Legião Urbana
Composição: Renato Russo
De tarde quero descansar
Chegar até a praia e ver
Se o vento ainda esta forte
E vai ser bom subir nas pedras
Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando
Tudo embora...
Agora está tão longe
ver a linha do horizonte me distrai
Dos nossos planos é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos
Na mesma direção
Aonde está você agora
Alem de aqui dentro de mim...
Agimos certo sem querer
Foi só o tempo que errou
Vai ser difícil sem você
Porque você esta comigo
O tempo todo
E quando vejo o mar
Existe algo que diz
Que a vida continua
E se entregar é uma bobagem...
Já que você não está aqui
O que posso fazer
É cuidar de mim
Quero ser feliz ao menos,
Lembra que o plano
Era ficarmos bem...
Eieieieiei!
Olha só o que eu achei
Humrun
Cavalos-marinhos...
Sei que faço isso
Pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando
Tudo embora...
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