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A LENDA DA MULA-SEM-CABEÇA

12 nov 2010 às 17:39

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Era uma vez, numa pequena cidadezinha do interior, uma mulher muito linda que se apaixonou pelo padre de sua paróquia. E este, não resistindo ao seu encanto, se entregou.

Ou então, foi assim: Certa vez, um padre da paróquia de um distante povoado, se apaixonou pela mais bela de suas fiéis e ela não resistindo à paixão, se entregou e o amou dentro da igreja.

Ou ainda, aconteceu simplesmente assim: Um homem e uma mulher se amaram. Mas, devido a ele ser padre, os amantes foram amaldiçoados.
Foi assim que surgiu a lenda da Mula-Sem-Cabeça.


Não se sabe se foi o padre ou a linda mulher que sofreu a maldição de se transformar em uma mula ou mesmo se foi ambos.

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Talvez, a princípio, tenha sido somente ela, por que naquela época a culpa recaia sobre a mulher. Geralmente a mulher era a pecadora e a bruxa malvada que seduzia o padre. Posteriormente, o padre também acabou por pagar o seu quinhão diante da moral cristã. E é por isso que a lenda ganhou muitos nomes como: Burrinha do Padre; Padre-Sem-Cabeça; Mula Preta; e Marola, no México.
Parece que sua origem remonta o tempo medieval da "caça as bruxas". Os portugueses trouxeram para o Brasil por volta do século XVI. Há versões dessa lenda em muitos países, como Argentina, Espanha, México, etc. A versão norte americana do Cavaleiro-Sem-Cabeça, é apontada como uma variação do mesmo tema.

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ALGUMAS RELAÇÕES/OUTRAS RALAÇÕES


Parece que a Mula-Sem-Cabeça se originou da mitologia dos povos da Península Ibérica e foi trazida de lá, pelos espanhóis e portugueses. A lenda que se tornou popular é oriunda do paganismo latente de algumas práticas populares da época.

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Ela foi adaptada pela sociedade judaico-cristã a fim de moralizar comportamentos que seriam inaceitáveis por essa nova sociedade emergente. Daí também ela ser equiparada às lendas das bruxas na Europa Ocidental.
Escolheu-se a mula e não outro animal qualquer por que ela representa o meio de locomoção de uso exclusivo dos padres do século XII.


Aqui no Brasil ela é mais popular nos estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, embora seja conhecida por todo o país.

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A Mula –Sem- Cabeça faz suas aparições nos povoados e naquelas pequenas cidades onde há uma praça em frente à igreja e as casas ao seu redor.
Em toda passagem de quinta-feira para sexta-feira ela escolhe uma encruzilhada e ali se transforma na besta.


Ao voltar a si, a mulher amaldiçoada estará completamente nua, suada e exalando um forte cheiro de enxofre.

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Se acaso alguém passar correndo diante de uma cruz bem a meia-noite, a Mula-Sem- Cabeça aparece e vai atrás, trotando com seus cascos de prata e mesmo que se diga que ela não tem cabeça, dá para ouvir o som de seu relinchar e o fogo saindo de suas ventas. De acordo com aqueles que já a viram, é um espetáculo apavorante.


Às vezes, parece chorar como se fosse uma pessoa e outras vezes seu galopar é acompanhado por longos relinchos.

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Sua mente também sofre alterações, assim, mesmo que ela tenha sido uma mulher de modos delicados, com a transformação, ela enlouquece, mata o gado, assusta as pessoas, destrói e faz confusão.


Na noite em que se transforma, deverá percorrer sete povoados a partir daquele onde ocorreu o pecado e se de repente, alguém cruzar seu caminho, terá seus olhos, unhas e dedos devidamente arrancados, por isso, reza a crença do povo, que ao vê-la deve-se deitar de bruços no chão e esconder bem os olhos, as unhas e os dentes para não ser atacado.

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Quando surgir, o que ainda não aconteceu, alguém com muita coragem e tirar os freios de ferro de sua boca, o encanto será desfeito e a Mula-Sem-Cabeça voltará a ser gente totalmente livre da maldição. Grata, ela se casará com seu bem feitor.


Perspectiva analítica junguiana:

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A pessoa amaldiçoada se transformou numa mula por que, de acordo com a crença cristã, uma pessoa que se deixe levar pelo desejo de amar um padre só pode ser um verdadeiro animal.


A mula ficou sem a cabeça por que foi tomada de paixões que são representadas pelo fogo.


De acordo com a moral cristã, a mulher que se apaixonou pelo padre ou o padre que se apaixonou pela mulher, "virou" sua cabeça e cometeu um ato "descabeçado" ao se deixar possuir pela paixão, por isso essa pessoa passa agora a ser representada por um animal, uma mula, um ser que não pensa de modo racional e que não se administra pela moral judaico-cristã.


A mula representa as forças instintivas que tomaram conta do comportamento da pessoa em questão. Seus cascos de prata são uma alusão à lua que, por sua vez, nessa lenda, significa "trotar ou caminhar lunáticamente", loucamente, pecadoramente.


Desse modo, podemos dizer que as forças instintivas do desejo sexual, na moral judaico-cristã, se tornaram reprimidas ao ponto de serem equivalentes a uma espécie de doença mental, a loucura e a bestialidade. De acordo com essa moral, aquele que possuir desejo sexual é bestial.


Tanto é que o corpo é visto como objeto de manipulação do demônio, daí o cheiro de enxofre. O corpo não é sagrado, apenas a alma o é.
O que vem contradizer as normas de Jesus Cristo que afirmou ser o corpo a Sua morada. O corpo é o templo do Senhor.


Na cultura judaico-cristã, a matéria, o corpo, é demonizado. No entanto, Jesus Cristo não nasceu do repolho e nem se quer apareceu do nada. Ele nasceu, é o que está escrito na Bíblia, de um corpo. Do corpo de Maria que representa a matéria e o feminino.


Na tríade cristã, não há lugar para esse quarto elemento. São apenas três: Pai, Filho e Espírito Santo. A matéria, o corpo é sumamente negado e desapropriado de seu lugar.


O numero três equivale ao triangulo que ainda não alcançou a forma concreta e de força do número quatro.


O triangulo requer o equilíbrio da força concreta do quadrado. Sem a representação do quarto elemento, o quatérnio não se formou e esse é o sinal do ponto fraco desta doutrina: a negação da matéria, a negação do corpo, a negação dos instintos, a negação de Maria na tríade da doutrina judaico-cristã.
Na história não se deve olhar para a Mula-Sem-Cabeça, o que significa que não se deve "julgar" de modo moral. Na Mula-Sem-Cabeça, existe antes da moral, a categoria de força instintual que requer ser acolhida e respeitada pelo ego para que não o vença e o possua.


Os dentes e as unhas são símbolos da agressividade instintual. E novamente aqui, o apelo é para que o ego reconheça a força e não se identifique com a moral.


Outro elemento que surge nessa lenda é o ferro que se encontra na mordaça da mula.


O ferro é a representação universal da energia psíquica masculina o que significa que a mordaça de ferro representa uma imposição moral advinda do masculino. Sem dúvida, as leis e regras de conduta, na época, eram ditadas pelos homens. No entanto hoje, são elas promulgadas e ferozmente impostas principalmente pelas mulheres. A energia psíquica masculina também atravessa a psique da mulher e quando esta se encontra em desequilíbrio, ela manifesta constante comportamento de rigidez e moral, inclusive ela "sempre" acredita estar com a razão. Diz-se da mulher em desequilíbrio, o que lhe confere um comportamento de rigidez moral, que ela está possuída pelo seu potencial psíquico masculino.


A encruzilhada e a cruz, representam a possibilidade de ir prá lá ou prá cá. A tomada de posição e a decisão entre os impulsos e a moral.


O fogo representa um processo alquímico e a "purificação" dos metais pesados que são a raiva, os impulsos tresloucados, as paixões homicidas e ou suicidas.
Na encruzilhada há de se fazer uma escolha, não apenas entre os impulsos e a moral, mas junto ao fogo, transformar os metais pesados em energia psíquica criativa e sensível, buscando alcançar a razão sensibilizada pelos instintos. Essa é a Grande Obra de que falam os alquimistas. Não permitir que a razão seja objeto da moral, mas que seja sim, sensível através da aceitação do corpo, da matéria, dos instintos enfim.


De modo que os instintos, ao invés de serem negados, sejam eles acolhidos pela razão que através de seu atributo de reflexão possa "negociar" com os instintos. Assim sendo, os instintos não podem ganhar, mas também não podem perder.


Na encruzilhada há quatro elementos. O quatérnio está presente. A razão que nega os instintos é apenas uma moral cristã. E os instintos, quando reprimidos, tornam-se poderosos animais que um dia irá, com certeza, tomar o ego que cometerá atos impensáveis e corruptos.


Na cruz cristã há cinco elementos, o corpo está bem ao centro. Mas é um corpo negado, um corpo morto.


Por outro lado, quando a razão está permeada pela sensibilidade que, claro, provem dos instintos e do corpo, ela não fica possuída pela moral, mas detém uma ética também sensível onde não há lugar para a corrupção. Cria-se assim o quinto elemento, o corpo sensível, vivo e incorruptível, pois os metais pesados foram transformados em OURO e o Ego é o diamante, a pedra filosofal.


Os metais pesados foram, pelo fogo, transformados o que significa que o que estava inconsciente alcançou espaço na consciência que, sensibilizada, modificou o comportamento antes corrupto e corruptível em comportamento ético sensível.


A Mula_sem_Cabeça encontra sua redenção quando surge o elemento oposto com suficiente coragem para livrá-la da mordaça de ferro. Ela se casa com seu bem feitor.


Isso significa que se for uma mulher, deverá acolher seus opostos, seus conteúdos inconscientes, seus anseios e medos reprimidos, seu desejo impensado.

Ao olhar para eles com os olhos de julgamento de categoria de força e não de moral, sua potência oposta, no caso, a força da energia masculina será, pelo ego, reconhecida e ela se casará com seus instintos. Desse casamento, de pura gratidão, surgirá o quinto elemento: o corpo racional/sensível.


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