Durante quase um ano, 20 pacientes voluntários de Londrina e região receberam tratamento contra a trombose venosa - doença que consiste na formação de coágulos dentro de veias, geralmente das pernas, e que pode levar à morte - sem ter a menor idéia de que medicamentos estavam tomando. O mais surpreendente é que a equipe médica do Hospital Universitário (HU), que conduziu o tratamento, não sabia o que estava aplicando.
O ''tratamento às escuras'' foi parte de um estudo mundial realizado pelo laboratório europeu Astra Zeneca e concluído no mês passado, com o intuito de testar um novo medicamento para tratar a trombose. Em todo o mundo, 2,5 mil pessoas de 29 países testaram o remédio.
No Brasil, o estudo envolveu nove centros de pesquisas, um deles em Londrina. Coordenada pelo professor de angiologia e cirurgia vascular da Universidade Estadual de Londrina (UEL), José Manoel Silvestre, a experiência realizada no HU conseguiu reunir o segundo maior número de voluntários do país, atrás apenas de Brasília.
Durante os estudos, os pacientes receberam três tipos de medicação: o novo anticoagulante em teste, chamado Ximelagatran; os medicamentos comumente utilizados contra a trombose, à base de heparina e varfarina; e doses de placebo, uma substância sem efeito algum.
Para afastar qualquer risco de interferência nos testes, os remédios eram receitados aleatoriamente. Além disso, os médicos não conseguiam identificar os medicamentos - as doses destinadas a cada paciente cadastrado no estudo eram controladas, por telefone, pela filial do laboratório no Brasil.
A julgar pelos resultados apresentados em junho, numa reunião na Ilha de Sardenha, Itália, tanto ''segredo'' serviu aos propósitos do laboratório. De acordo com Silvestre, que esteve na reunião, a fase 3 do estudo (as duas primeiras foram testes em laboratório e com animais) provou que o medicamento é tão seguro e eficaz quanto o tratamento clássico, com algumas vantagens. ''As chances de ocorrer uma hemorragia são bem menores. Por isso, o medicamento dispensa a necessidade de controle laboratorial constante'', explica.
No tratamento normalmente empregado, o paciente é obrigado a passar por cerca de 10 exames de sangue ao longo dos seis meses de duração do tratamento, para verificar se é preciso ajustar a dosagem dos remédios.
Foram transtornos como esse que o auxiliar de contabilidade José Ricardo Pires, 21 anos, enfrentou depois de sofrer uma trombose, em julho do ano passado. Dez dias após se submeter a uma cirurgia de estômago, ele sentiu fortes dores na virilha esquerda e um inchaço crescente na perna. Como o diagnóstico e o início do tratamento foram rápidos, Pires não sofreu complicações.
Pires escapou do incômodo de ficar internado mas pagou caro por isso já que as injeções subcutâneas, que podem ser usadas pelo paciente em casa, custaram cerca de R$ 150 a dose. Ele teve que tomar 10 doses.
É possível que o preço do novo anticoagulante em estudo também seja um problema no futuro. De acordo com Silvestre, o laboratório que está pesquisando o medicamento não tem previsão de quanto ele vai custar, nem de quando será colocado no mercado.