Familiares e amigos das vítimas da boate Kiss não limitaram o primeiro aniversário da tragédia às homenagens e também foram às ruas protestar. Logo depois da vigília da madrugada, um grupo de 200 manifestantes deixou a Rua dos Andradas, onde ficava a casa noturna, e caminhou por cerca de 20 quadras até a sede do Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul para pressionar os promotores a acusar mais envolvidos, especialmente funcionários públicos municipais e o prefeito Cezar Schirmer (PMDB).
Diante das portas do pátio fechadas porque o expediente só começaria ao meio-dia, o grupo pôs 242 balões brancos nas grades e sentou no asfalto da rua para batucar, gritar "justiça" e "chega do rolo, o MP tem fatia nesse bolo". O inquérito policial que apurou o caso concluiu que, durante show pirotécnico da banda Gurizada Fandangueira, uma fagulha chegou ao revestimento do teto e queimou a espuma, liberando o cianeto que matou por asfixia a maioria das vítimas.
A casa estava superlotada e a única porta não deu vazão à multidão que tentava fugir em pânico. Também foi detectada uma cadeia de falhas nos processos de licenciamento e fiscalização. O inquérito apontou responsabilidades de 28 pessoas e indiciou 16 por crimes como homicídio doloso com dolo eventual qualificado, homicídio culposo, fraude processual e falso testemunho.
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Schirmer estava entre os nomes que apareciam como responsabilizados porque, segundo a polícia, havia indícios de prática de homicídio culposo por falhas cometidas na esfera municipal por secretários, fiscais e funcionários públicos. À época, o prefeito reagiu qualificando a acusação de "absurdo jurídico". Como era caso de foro privilegiado, o assunto foi levado à Procuradoria de Prefeitos do Ministério Público, que deu parecer, e ao Tribunal de Justiça, e foi arquivado por decisão unânime dos desembargadores.
Depois dos trâmites em cada área, hoje há três processos contra acusados de algum tipo de responsabilidade pelo desastre da Kiss. A acusação mais grave, de homicídio doloso com dolo eventual, que pode levar à cadeia, é na área criminal, contra os empresários Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, sócios da boate, o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor de palco Luciano Augusto Bonilha Leão, que irão a júri popular.
Um bombeiro responde por fraude processual e um ex-sócio da Kiss e um contador por falso testemunho e serão julgados pelo juiz de primeiro grau. Na esfera cível, quatro bombeiros são acusados de improbidade administrativa. E na Justiça Militar três bombeiros respondem por inclusão de declaração falsa em documento público.
Como entendem que os funcionários públicos apontados pela polícia e não denunciados pelo Ministério Público também deveriam ser levados à Justiça, os familiares vêm pressionando os promotores a incluir mais réus nos processos. Alegam que foram descobertos fatos novos, como a troca do número do prédio da Kiss que teria sido feita para facilitar o licenciamento inicial e o funcionamento da casa pelos quatro anos de sua existência, entre 2009 e 2013, sem os cinco alvarás e licenças exigidos simultaneamente pela legislação. A boate chegou a ter os documentos, mas nunca teve os cinco ao mesmo tempo.
O subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Marcelo Dornelles, disse que Schirmer não teve envolvimento com a colocação da espuma e com o show pirotécnico que originou a tragédia. Também admitiu que não há, na investigação policial, prova de que o prefeito tenha interferido de alguma maneira na concessão de alvarás ou na fiscalização.
"Achamos a situação compreensível pelo momento emocional de todos, mas nós só podemos aplicar a lei", afirmou, admitindo, no entanto, que se aparecer alguma prova nos inquéritos complementares que a polícia faze, a instituição poderá mudar a posição. Schirmer também comentou a pressão em nota. "No Estado Democrático de Direito, não se faz justiça com injustiça. Será que é tão difícil aceitar que a prefeitura agiu adequadamente no cumprimento da legislação?", questionou.