A casinha onde funcionava o escritório tinha cobertura de duas águas, vitrôs basculantes laterais, paredes chapiscadas e cor de cimento. Meu pai trabalhava nesse lugar como guarda-livro da beneficiadora de café, ou da "Maquina do tio," para nós crianças. Com uma ou outra desculpa estávamos sempre por perto, espiando o homem meio sério, meio triste, debruçado sobre uns cadernos pretos, grandes, capa dura, que a gente admirava sem saber porque. Ao lado, a calculadora a manivela, matraqueando números. O motivo principal, no entanto, era que apareciam por lá os meninos das vizinhanças, com estilingue pendurado no pescoço, bola de capotão, bolinhas de gude, pião, pipa e todo tipo de apetrecho que enfeitava a vida simples de então. Brincávamos, gastando um naco da imensidão de tempo que é o tempo da infância.
Ao lado da casinha tinha um pé de figo comum, com folhas largas, macias, frutinhos mirrados. Seu perfume adocicado, forte, invadia as tardes, as brincadeiras e o garganteio de meninos quando se juntam. Era o tempo do café, do ouro verde, dos compradores e vendedores, "negociantes" como eram chamados, do beneficiamento. E do aroma dos armazéns. O cheiro forte, mofado, umedecido, às vezes agudo da palha de café doía nas narinas. As cidades do norte do Paraná cheiravam café, a vida cheirava café, do bule, das tulhas, dos armazéns, em coco ou cereja. Não sabíamos que a fragrância dos figos, das laranjas, do café perpassavam nossos dias, como o pó vermelho. Como se num espaço especial da memória-sensação esses aromas aportassem e ficassem lá como que compondo os perfumes da meninice.
A vida passa, o tempo passa, as vozes e risos da infância se distanciam inexoravelmente. Essa arvore de forquilhas que é o nosso caminho impõe decisões, escolhas e nos afastam do tronco.
O que nos segue apesar das distancias é o seu perfume.