HAICAIS – Carlos Martins
Texto de Carlos Martins
Dois grandes incentivos para me aprofundar na obra de Guimarães Rosa, foi ter a honra de acompanhar os projetos da trilogia rosiana do confrade Carlos Viegas, - HaiKais Transrosianos, Haicais para Diadorim e Sertão dos Gerais – e o presente que recebi dele, o único livro de poemas de Rosa, Magma.
Vencedor do Concurso de Poesia da Academia Brasileir de Letras, em 1936, no entanto só viria ser
publicado postumamente em 1997, em uma edição delicada e bem cuidada da Editora Nova Fronteira. Os poemas são construídos em uma linguagem mais “comportada” em relação ao léxico, ainda sem o vibrante, metafísico e mágico estilo iniciado em Sagarana, em 1946, até seu último livro em vida, Tutaméia, de 1967, “elegantemente bárbaro”, como qualificado pela estudiosa americana de Rosa, Mary Lou Daniel.
Em Magma, à pag. 33, ele compôs uma série de 9 poemas intitulada Hai-Kais, uma forma livre do poema mínimo japonês, que abrange temas diversos, de maneira lírica. Aí – após outra releitura – me imaginei “conversando” com o mestre, de uma forma aberta, sem compromisso de uma ligação clara entre os haicais. Portanto, não se trata de intertextualização ou honkadori diretamente; se o for, será apenas um encadeamento muito sutil com alguma coisa no correspondente rosiano.
Após duas ou três leituras, como um flâneur na Paulicéia, saí colhendo haicais e, por acreditar que todos teriam qualquer coisa de Magma, posteriormente os relacionei com os de Hai-kais. Há apenas uma exceção nessa metodologia, no primeiro encadeamento (“Imensidão”), cujo haicai foi composto há alguns anos, sob cena com minha falecida cachorra labradora.
É o que se encontra a seguir. Abaixo do título dado por Guimarães Rosa, haicai de Carlos Martins.
Imensidão
Ah, o perfume
da pelagem da cachorra
ao sol de outono
Carlos Martins
*
Romance – I
Sobre colchões e sinas
na calçada dos adictos
Paineira em flor
Carlos Martins
*
Egoísmo
Alfeneiro em flor
Casal de pardais estará
também perfumado?
Carlos Martins
*
Mundo pequeno
Flâneur flanando
A cidade tão luminosa
sob o sol de outono
Carlos Martins
Romance – II
Céu azul profundo
O banco vazio ao meu lado
já não importa
Carlos Martins
*
Infinito
Cabeça tatuada
na cabeça da moça
Trevas de outono
Carlos Martins
*
Evocação
Velhinho no ônibus
de panamá estrelado
Ar-condicionado
Carlos Martins
*
Turismo sentimental
Noite de outono
A latição da vigilante
cachorra pedrês
Carlos Martins
*
Turbulência
Presente do mundo
que sopra pela janela
Frescor outonal
Carlos Martins
Carlos Martins é haicaísta, criador e administraor do grupo O Zen do Haicai (Facebook)
Outono, 2024