A crônica Azul de Rita Delamari foi elaborada em uma oficina orientada pelo escritor Luís Henrique Pellanda, e publicada em livro (- Projeto Ampliando Horizontes: Poesia e Ficção - Ano 3 da Fundação Cultural de Curitiba).
AZUL
Assim do nada, minha filha aprendeu a pintar. Sem fazer curso, sem qualquer instrução. Autodidata, começou a pintar lindos quadros. Gosto de todos, mas, tenho um favorito. Foi pintado numa tela em algodão de 40 por 30 centímetros, com camadas de gesso acrílico.
Eu sempre a via rabiscando seus cadernos ou papéis sulfites. Assim criava os seus desenhos. Para incentivá-la, passei a comprar telas, de diversos tamanhos. E para a minha admiração –– e pela criatividade, que lhe é peculiar ––, minha filha começou a utilizá-las, dando início à criação de belas obras de arte. Mãe coruja que sou, achei o máximo. Fiz grandes elogios a ela, a incentivei para que continuasse. E assim finalizou alguns quadros. Um dos quadros que pintou, lembrou-me Van Gogh — em seus azuis e amarelos. Ela gosta da diversidade de cores. E por gostar tanto de azul, a sua cor favorita, faz uso dela nas suas obras. Percebia-se, em sua técnica, a utilização de tinta para tecidos. Por vezes a dissolvia na água. Certa vez me disse que Da Vinci, a utilizava em seus trabalhos. “A água é a força motriz da natureza”, dizia ele.
Talvez por isto, o seu quadro, aquele meu preferido, seja tão, tão azul, que a mim fascinou. Nele não podiam faltar o mar e seus elementos. Portanto, o quadro tão, tão azul, é para lá de inspirador –– um mergulho literal. Ele possui um fundo todo azul, com sombras e traços brilhantes de água, como se o sol estivesse refletindo nele, através da superfície. E, pasmem vocês, a figura principal do quadro é uma água-viva, nas profundezas do oceano. Um animal marinho que não é dos meus favoritos... Perguntei-me: de onde ela se inspirou?
A curiosidade tomou conta de mim. Então ela me disse:
– Às vezes, quando medito, é como se eu caísse dentro do oceano, e nesta imersão vejo criaturas marítimas.
Águas-vivas se apresentam sob diversas formas e cores. A do quadro tem um corpo gelatinoso e medusoide (em forma de sino), a “cabeça redonda” e muitos tentáculos, abertos como se estivessem em movimento. E é como se ela desaparecesse, misturando-se às águas. O quadro possui pequenas pinceladas de marrom, rosa e amarelo. Porém, predominam, em toda a sua extensão, vários tons de azul.
Logo que o vi pronto –– eu, que tenho paixão pelo mar –– fiquei impressionada pela sua vivacidade. E também pela riqueza de detalhes de um quadro que não nos oferece paisagens, casas ou pessoas, apenas o fundo do mar e uma água-viva: bichinho de que não tenho boas lembranças. Uma delas é a de ter ido parar no hospital. Gosto mesmo é das arraias.
E de tanto falar desta obra de arte e não me cansar de admirá-la, para a minha alegria fui presenteada com ela. Eu já havia ganhado muitas coisas da minha filha, em dias de aniversário. Mas um quadro, em data inesperada, pintado por ela?
Agora, ele fica no meu quarto, ao lado da minha cama, em cima da minha escrivaninha. O meu lindo Quadro azul: é como eu o chamo. E muitas vezes eu me vejo a olhá-lo, demoradamente, apesar da água viva. E me inspiro a escrever.
Rita Delamari
Poeta e escritora, autora do livro Contornos e Contrastes (venda na Amazon).