Quando alguém me pergunta por que não sei dirigir, lembro-me de uma cena ocorrida na minha adolescência. Eu estava visitando familiares em Mirandópolis. Na rua de entrada da cidade, vi uma imagem que nunca mais me sairia da memória: um homem, com a face transfigurada pela dor, carregava nos braços um menino que havia sido atropelado momentos antes. O garoto não deveria ter mais de sete anos; no meio de seus cabelos claros, despontava um ferimento vermelho, uma flor de morte. Já não tinha vida, e o homem não sei se o pai ou o motorista que o havia atropelado nada podia fazer com aquela criança nos braços.
Ao ler notícias sobre acidentes de trânsito, eu me convenço uma vez mais de que sempre serei um pedestre, um passageiro e um caronista. É claro que, com isso, não estou livre de ser uma vítima do trânsito, mas pelo menos tenho a certeza de que nunca serei o responsável por uma tragédia.
Controlar uma dessas máquinas de metal definitivamente é algo que está além das minhas limitadíssimas capacidades humanas. Sou um cara muito distraído; minha amada Rosângela costuma dizer que habito "o mundo das ideias", embora meus críticos não acreditem que eu as tenha. Dizem que certa vez, durante a Guerra do Peloponeso, o soldado Sócrates, que dera muitas provas de bravura no conflito, parou no meio do campo de batalha e começou a meditar sobre uma questão filosófica. Foi salvo por um amigo, que o retirou dali a tempo de não ser atingido pelas forças inimigas. Eu sou Sócrates sem a bravura e sem a sabedoria; por isso não dirijo.
O lema da cidade de São Paulo, onde nasci, é "Non ducor duco", que podemos traduzir por "Não sou conduzido, conduzo". Pode ser verdade para São Paulo, mas com o Paulo aqui ocorre exatamente o contrário. Sou conduzido nem que seja por minhas velhas pernas de caminhante. E conduzo apenas meus sete leitores por estas linhas.
Meu pai foi o melhor e mais responsável motorista que já conheci. Certamente não foi dele que se originou essa minha aversão pelas engenhocas automotivas. Acho que mais decisiva foi a tragédia que aconteceu com meu avô Antônio, que não cheguei a conhecer em vida. Antônio era também um motorista exemplar, mas um dia atropelou um ciclista, deixando-o paraplégico. A partir desse dia, nunca mais foi a mesma pessoa. Morreu de desgosto.
Há um conto de Julio Cortázar que narra um congestionamento sem fim numa rodovia francesa. Parados na estrada, os motoristas saem dos carros e começam a se conhecer. A atmosfera da narrativa lembra um dos meus sonhos. Sim, eu sempre sonho que estou dirigindo, mas não numa rodovia francesa: aqui mesmo em Londrina. Mais ou menos na Rua João Cândido, perto da Praça Sete de Setembro, eu me dou conta de que não sei dirigir e acordo.
Graças a Deus, eu não sei guiar. Mas às vezes fico pensando: assim como eu não sirvo para dirigir automóvel, que bom seria se Lula e Dilma admitissem que não estão aptos a dirigir sequer um sindicato, que dirá um país!