"A inocência é uma forma de insanidade", dizia o escritor inglês Graham Greene (1904-1991). Nos últimos anos, Silvio Medeiros tem dedicado um grande esforço intelectual para acabar com a inocência política dos brasileiros. Publicitário renomado tendo sido 12 vezes finalista e quatro vezes vencedor do Festival de Cannes , Silvio é também um profundo conhecedor das estratégias de dominação cultural em nosso tempo. A seguir os principais trechos da entrevista de Silvio Medeiros ao colunista Paulo Briguet:
Bonde Briguet: Você sempre fala na necessidade de superar a inocência política. Como o cidadão comum, o homem médio, pode atingir essa acuidade? Quais os primeiros passos?
Silvio Medeiros: O problema é que a burocracia estatal brasileira (independentemente de quem esteja no comando) se tornou um organismo separado e parasitário da sociedade, que ao invés de promover o bem comum vive se servindo da bondade dos comuns. E o faz porque conhece a psicologia do brasileiro como ninguém. Sabe que para a maior parte do povo o valor cristão do mandamento do amor ao próximo e o consequente benefício da dúvida são traços culturais enraizados. Sabe que nenhum cristão pode, por força de coerência, julgar a priori as motivações interiores de ninguém. Sabe que seu imaginário é educado desde cedo para enxergar a boa intenção antes de levantar acusação. A burocracia estatal joga com esses valores para se preservar em situação parasitária perene, e atrelando à sua imagem sinais de pertença a uma ética cristã (por exemplo, se apresentando como amiga dos pobres, das crianças, das minorias), se reveste de uma fama quase impenetrável de santidade. Em nossa cultura de tradição cristã, burocratas estão previamente e naturalmente imunes de desconfiança, e podem ganhar uma blindagem extra se ainda forjarem uma imagem misericordiosa. Daí para o cidadão comum entender denúncias sérias e fundamentadas a este ou aquele grupo político como se fossem "teorias da conspiração" é um passo.
Graças a operações como a Lava-Jato, alguma dose de ceticismo político começa a ser servido na mesa do brasileiro e considero isso um avanço e um alento. Manter os comuns em um estado perene de ingenuidade política é vital para a burocracia estatal, mas mortal para a sociedade. Os números não nos deixam enganar.
As pessoas comuns precisam se dar conta que a maldade, a dissimulação, a falsidade e o fingimento existem não apenas nas novelas e nos filmes, mas também nas pessoas que lhes pedem votos. Ignorar esta realidade é uma enorme imprudência e uma cooperação indireta com a corrupção generalizada da nossa política.
Bonde Briguet: Os resultados de um governo petista estão aí: 11 milhões de desempregados, 60 mil homicídios por ano, educação de baixa qualidade e o país quebrado. Quando as pessoas vão se convencer que não é bom negócio votar na esquerda?
Silvio Medeiros: Talvez para alguns cause espanto, mas fora da tradição marxista e da escola de Frankfurt eu não tenho problemas com algumas idéias de centro-esquerda e acredito ser mesmo possível a existência de uma esquerda ponderada (preocupada com alguma regulação de mercado, com uma política assistencial que não dependa exclusivamente das mãos do mercado) numa democracia de fato plural. O problema é que essa tradição é inexistente no Brasil e a nossa linha de produção de formadores de opinião segue dentro de um paradigma educacional (das escolas às universidades) hegemonicamente marxista. Além de toda uma geração educada de forma a desprezar o pensamento divergente, hoje sabemos da existência de uma esgotosfera de viés ideológico marxista paga com dinheiro de corrupção pautando blogs, sites, portais de imprensa; não fazemos idéia real de quantos influenciadores na opinião pública eram financiados para defender esse estado das coisas. Como dizia o Millôr, são idealistas que lucram com seus ideais, portanto pessoas que jamais assumirão a própria responsabilidade. Penso que a internet é o navio quebra-gelos de onde surgirão as novas vozes que irão contrabalancear a opinião pública brasileira. A opinião pública precisa ser privatizada.
Bonde Briguet: Como você vê a decisão do STF sobre Jair Bolsonaro dentro do panorama da guerra política brasileira?
Silvio Medeiros: Há alguns anos, numa palestra que proferi sobre Saul Alinsky - um dos mentores de Hillary Clinton eu explicava como o método de guerra política da esquerda radical era assimetricamente mais poderosa do que o da sua oposição. "The issue is never the issue, is always the revolution", dizia Alinsky, defendendo que na disputa pelo avanço do poder o problema debatido nos embates políticos é quase sempre um pretexto, uma cortina de fumaça para o que se realmente pretende. O que a esquerda pretende, no caso? Nas palavras de Saul Alinsky, "é preciso extirpar seu inimigo da face da Terra". A realidade, pobre coitada, está sendo o de menos no caso, uma vez que dentro do contexto da troca de insultos iniciada por Maria do Rosário, o agora réu por suposto fomento ao crime de estupro defendia uma punição mais rígida para estupradores, incluindo a radical possibilidade da castração química.
A inversão é proposital e faz parte do projeto de destruição do adversário, visto como um risco nas próximas eleições presidenciais.
A Constituição no seu artigo 53 garante a liberdade de expressão parlamentar sem exceções e nosso ordenamento prevê punições a quebra de decoro parlamentar através das comissões de ética. É nesta última aonde a disputa deveria acontecer (e sim, penso que Bolsonaro errou ao retrucar daquela forma). A decisão do STF vai na contramão da sua própria jurisprudência, adotando claramente dois pesos e duas medidas, mas é o que acontece quando uma corte de ministros é indicada por duas décadas exclusivamente por aderência a linha ideológica dominante, no caso, de uma esquerda radical.
Bonde Briguet: Qual a sua análise sobre o comportamento das diversas correntes ideológicas na mídia e das redes sociais após a morte de 50 pessoas na boate em Orlando?
Silvio Medeiros: Como sempre nesses casos, o primeiro momento é marcado por um notável silêncio editorial até que as fontes progressistas oficiais (New York Times, CNN, The Guardian, etc.) decidam o que deve ser dito. A partir daí a interpretação do fato endossada pelas fontes autorizadas do mainstrean americano é integralmente traduzida e se iniciam as veiculações e debates locais dentro dos parâmetros definidos pela agenda. Nos EUA, as fontes progressistas como era de se esperar torceram os fatos até que sua agenda de sempre pudesse avançar; no caso, o desarmamento civil e a desconstrução dos valores conservadores e cristãos como se esses tivessem qualquer coisa que ver com a monstruosidade do fato. Uma vileza e uma desonestidade intelectual sem tamanho. Infelizmente as vítimas foram capitalizadas politicamente.
Bonde Briguet: Faça uma breve descrição do que você pensa sobre um presidente (Michel Temer), de uma presidente afastada (Dilma) e de dois candidatos presidenciais (Trump e Hillary).
Silvio Medeiros:
Temer: o PMDB é o partido central do oligopólio político brasileiro, e não por acaso fez o seu terceiro presidente da república em situação de caos social. Quem votou no PT, votou em Temer. Por isso não haverá mudança substancial no cenário político. Temer e PMBD devem muito a muitos agentes e possuem uma margem de manobra pequena, basta ver como muitas medidas do novo governo estão sendo canceladas. A vulnerabilidade salta a vista, Temer não é Macri. Ainda assim, tem a chance de acalmar investidores, estabilizar a economia e fazer as reformas trabalhistas mínimas para atravessarmos essa crise.
Dilma: Mulher Sapiens, que saudou a mandioca enquanto o Brasil foi saqueado e nosso sonho de se tornar um país sério foi destruído. Dilma foi uma laranja posta na presidência para chegarmos exatamente no estado de coisas em que chegamos. Inepta, insossa, perfeita para levar a culpa de um projeto maior e anterior a ela e ser substituída convenientemente.
Trump: A história norte-americana demonstra uma escalada na concentração de poder dos seus presidentes que assusta. Mesmo com Ronald Reagan, que se elegeu com um discurso fortemente contrário as idéias de um governo onipotente e onipresente, acabou, por força da Guerra Fria, aumentando também a concentração de poder estatal. Com isto quero dizer que a burocracia americana tem vida própria, é invariavelmente belicista e mais forte do que qualquer candidato. Trump é um mistério. Em tempos de politicamente correto, ele atrai uma massa de insatisfeitos em busca de autonomia, representação e liberdades individuais face ao coletivismo autoritário do partido democrata.
Hillary: Se ela não for presa pelas investigações que apuram sua responsabilidade nos ataques de Benghazi, Hillary representa o aumento do radicalismo político e da concentração de poder estatal como nunca antes visto nas mãos de um presidente norte-americano. Hillary não é apenas discípula de Saul Alinksy, aquele que dedicou seu principal livro a Lúcifer (está lá nas primeiras páginas) por este ter conseguido seu próprio império aos seu próprio modo, mas dedicou a Alinsky toda uma tese e recebeu do próprio proposta de emprego quando ainda era estudante. Sua agenda prevê a escalada do autoritarismo face os valores que construíram os EUA -- vista por Alinsky como intrínsicamente injustas -- e assumindo o papel de reformadora em busca de uma nova utopia; podemos esperar o pior. Os inimigos dos EUA ficarão felizes, mas a verdade é que o mundo todo sairá perdendo.
Bonde Briguet: O papa Francisco continua sendo um exemplo de guerreiro político ou foi engolido pela mídia?
Silvio Medeiros: A imprensa mainstream não sabe o que fazer com o Papa, pois este não se deixa pautar. Pelo contrário, Francisco é quem está constantemente definindo o seu campo de batalha e os termos da batalha. Está o tempo todo falando - as vezes é criticado por falar demais - e diversificando ao máximo os seus assuntos, seus campos de trabalho, sua forma de agir o que torna extremamente difícil rotulá-lo como um velho defensor das proibições. É ele quem dita as pautas. O Papa Francisco tem um dom muito parecido com o de João Paulo II, que é o dom da instantânea simpatia com todas as pessoas, especialmente as massas, que o amam porque se identificam com sua informalidade e proximidade. Esta "verdade" de Francisco lhe faz extremamente popular e a imprensa com isso pouco pode. Uma distorção aqui, um silêncio seletivo alí, mas nada maior do que isso. É um "alvo móvel" demais.
Bonde Briguet: E o Brexit?
Silvio Medeiros: É fácil falar olhando para o retrovisor, mas a dissolução da União Européia era bola cantada desde antes de sua criação. Por uma questão muito simples: quando você une a 4ª economia do mundo como é a da Alemanha, com a 50ª como é a de Portugal, o que se produz é uma submissão financeira atrelada a um mesmo lastro monetário. E da submissão financeira para a submissão política é um piscar de olhos. É disso o que se trata a União Européia, uma máquina burocrática supranacional, com bandeira própria, hino próprio, moeda própria, parlamento próprio, banco central próprio, regulando todos os países integrantes sob o comando velado da Alemanha, credor de todos. É um mostrengo burocrático que já decidiu acredite quais queijos os franceses podem comer, qual formato de banana pode ser vendido, que crianças com menos de 8 anos não podem encher balões de aniversário, e que ingleses não podem usar duas vezes o mesmo saquinho de chá! Praticamente tudo o que li a respeito do Brexit em terras tupiniquins não tem nada que ver com o que está ocorrendo de fato. O Brexit não fecha a Inglaterra para relações comerciais com ninguém, não impede imigração, nem muito menos aumenta qualquer tendência nacionalista (o que seria um absurdo já que são vários os países integrantes do Reino Unido a sairem da União Européia juntos). Na realidade, a Inglaterra entrou na União Européia num segundo momento, já a contragosto e com um pé apenas, decidindo sabiamente por não eliminar a própria moeda, o que também facilitou ainda mais a decisão por meio do referendo popular. O Reino Unido simplesmente decidiu que parlamentares gregos, italianos ou romenos devem cuidar dos seus próprios problemas. A União Européia foi um ato residual iluminista secular, um ensaio de governo mundial, que pretendeu através de meios puramente burocráticos uma união que só se viu na Europa quando esta se chamou Cristandade. Não por acaso, na constituição da União Européia foi propositadamente deixada de fora qualquer menção a suas origens cristãs, o que era na realidade, a única cola verdadeira a unir todos aqueles países. João Paulo II avisou. Não deram ouvidos.
Bonde Briguet: Qual será o maior recorde da Olimpíada do Rio?
Silvio Medeiros: A quantidade de cocô nos atletas de remo e canoagem.