Nesta semana fui almoçar com meu mais novo amigo de infância no Hotel Bourbon, onde fomos servidos pelo garçom João, o que sempre é uma honra. Não pude dar um abraço no Sr. Roberto Vezozzo, pois ele tinha viajado para visitar os netinhos, mas cumprimentei sua filha Fabiane.
Durante a conversa com meu amigo, lembrei-me de um episódio vivenciado ali mesmo no Bourbon há 17 anos. Em 1999, o ex-ditador chileno Augusto Pinochet estava preso em Londres, acusado dos crimes de genocídio e terrorismo. A ordem de prisão contra Pinochet fora expedida pelo juiz espanhol Baltasar Garzón. Um amigo esquerdista aliás, uma excelente pessoa, por quem tenho muito respeito até hoje disse-me que estava em Londrina, naquele dias, um advogado argentino que assessorava Garzón no caso de Pinochet. Mais do que depressa, marquei uma entrevista com o tal advogado. Rumei da FOLHA para o Bourbon, munido de meu gravador e meu portunhol. Furo de reportagem e pau no Pinochet isso era o sonho de qualquer jornalista militante!
O advogado usava óculos. Cumprimentou-me com gentileza (certamente estava informado das minhas credenciais esquerdistas da época). Como o meu espanhol era tão bom quanto o português dele, nosso mútuo entendimento linguístico foi razoável. Fiz-lhe várias perguntas sobre Pinochet e Garzón. Quando já estávamos concluindo, aconteceu o inesperado. Formulei uma pergunta sobre Fidel Castro.
Aqui, um esclarecimento. Mesmo durante minha fase militante, jamais engoli o ditador cubano. Sempre o achei meio farsesco, militar de opereta, e nunca tive paciência para seus longos discursos. Some-se a isso uma certa índole de repórter que me obrigava a fazer pelo menos uma pergunta embaraçosa para meus entrevistados. Traduzida para o português, a pergunta era a seguinte:
Alguns comentaristas conservadores defendem que Fidel Castro também deveria ser preso por crimes contra a humanidade. O que o sr. teria a dizer sobre isso?
Então veio o olhar do advogado. Ele baixou os óculos por cima do nariz e por um momento me fuzilou com os olhos. Havia muito ódio naquele olhar, mas não apenas. Havia também surpresa, despeito, orgulho, nervosismo e perplexidade. Durou apenas alguns segundos, antes de ele iniciar uma resposta-padrão. Mas o seu pensamento era nítido: "Como esse moleque ousa falar em prender Fidel?!"
Depois daquela entrevista, descobri muitas e muitas informações sobre Fidel Castro. Aos que desejam ter uma visão mais realista sobre a revolução cubana, recomendo três livros: "Mea Cuba", de Guillermo Cabrera Infante; "Antes que anoiteça", de Reinaldo Arenas; e "Nossos Anos Verde-Oliva", de Roberto Ampuero.
Nunca esquecerei aquele olhar.