Segundo uma pesquisa da Unesco (1), nos discursos dos jovens, o ficar configura-se, de certa forma, como uma interação afetiva e sexual, em que se pode lidar com as demandas referentes às relações de um namoro, consideradas mais rígidas. Nesse sentido, o ficar aparece como uma forma alternativa ao namorar, cujos aspectos mais enfatizados por rapazes e moças dizem respeito ao relaxamento dos acordos mais complexos pertinentes às relações estáveis.
Neste caso, a obrigação da fidelidade é uma das dificuldades que o ficar minimiza, proporcionando uma maior flexibilidade das trocas afetivas. Nessa pesquisa, o ficar tem como substrato, para alguns, certa ética, que extrapola divisões sexuais, naturalizando as relações: ''não acarreta em nada, é normal, é natural''.
Durante a pesquisa, percebeu-se que não há contornos rígidos que determinem a impossibilidade do ficar se transmutar em uma relação de namoro. Alguns jovens relatam que o namoro pode se originar do ficar, sugerindo que este pode ser uma etapa que precede o namorar.
Para os rapazes, a possibilidade da variação de parceiras para ficar recebe um valor positivo, reeditando os princípios e respaldando o sistema de valores sociais e morais que dignificam a masculinidade. O que vale é a possibilidade de se tornar cada vez mais experiente na amorosidade e sexualidade.
Para as moças, o ficar pode estabelecer limites. Ao contrário dos jovens, uma variedade grande de parceiros resulta numa atribuição de valor negativo. Ainda que para ambos o ficar venha se tornando uma possibilidade, de certa forma, fluida, para a iniciação dos jogos amorosos e sexuais da adolescência, persistem, com o ficar, códigos restritos, preconceitos e interdições.
Mesmo com a demanda atual do ficar, a estrutura e a organização afetiva, muitas vezes, ainda permanecem essencialmente as mesmas. Os próprios jovens dicotomizam e hierarquizam valorativamente o ficar do namorar, perpetuando, assim, as formas de vida e restringindo as novas possibilidades de relacionamento.
Em muitos discursos, o namoro é destacado como mais sério, como vínculo de respeito, separado da identificação do ficar, em que tudo é permitido. Tal pensar dicotômico sugere novas roupagens para velhos preconceitos, que colaboraram nas valorações diferenciadas das mulheres - as boas para se casar e aquelas para as ''outras coisas'', como para uma sexualidade descompromissada e separada do afeto.
Ricardo Desidério da Silva, professor mestrando e educador sexual
1-ABRAMOVAY, M. (Org.). Juventudes e Sexualidade. Brasília: UNESCO, 2004.