''O fetichismo é uma perversão que consiste em amar não a pessoa, mas a uma parte dela ou um objeto de seu uso'' (Dicionário Aurélio).
Na espécie humana, o sexo, na sua plenitude, é um ato de extremo prazer e a mais profunda realização dos seres que se amam. É uma via de duas mãos com intensas trocas, que levam ao crescimento mútuo de tal forma que o prazer compartilhado hoje serve de trampolim para o gozo de amanhã.
Somos seres desejantes, e desde os primórdios da espécie humana, esses desejos dirigiram o comportamento humano. Com a socialização, foram criados limites para o exercício da sexualidade por meio de uma moral mais ou menos rígida, dependendo da época e da cultura vigente. Se não fosse o desejo, machos fissurados em trabalho não gerariam filhos, e da humanidade só restaria um punhado de ossos fossilizados.
O surgimento do desejo implica na construção das fantasias, que são formadas precocemente na interação dos pais com o bebê desde a vida intra-uterina. Sem fantasias não há desejo.
Afagos, lambidas, beliscões, beijos, sorrisos, tudo que envolve uma maternagem sadia é armazenado na mente de um modo suavemente sensual e privilegiado, formando um arquivo precioso, que no momento oportuno servirá de combustível na produção de um desejo saudável e construtivo.
Situações nas quais o contato com a criança é mais agressivo, abusivo e repetitivo podem levar à formação de fantasias perversas ou parafílicas, como uma maneira de superar os traumas. Dentres estas fantasias temos o fetichismo.
Em alguns casos, estas fantasias perversas tomam um rumo maligno, pois destroem a capacidade de envolvimento em relacionamentos românticos normais. Crianças agredidas por pais sádicos e manipuladores podem erotizar essas qualidades ruins e na vida adulta tornam-se obcecadas por parceiros que os machuquem de modo semelhante, evitando, assim, pessoas amorosas.
Por outro lado, é importante esclarecer que as fantasias são fundamentais para o bom funcionamento sexual.
Não há problemas em usar certas peças do vestuário, perfumes e odores para despertar o desejo, desde que não seja a única forma de estímulo, e desde que se veja como adorno e não como coroa sobre aquele que se ama.
Da mesma forma, o parcialismo (preferências por determinados atributos físicos) pode ser um poderoso afrodisíaco e deve ser usado como fomentador ao desejo.
Calvino Coutinho Fernandes, ginecologista e terapeuta sexual