A Organização Mundial de Saúde aponta que o número de novos casos de Aids está diminuindo, mas o custo individual e social da doença só aumenta. Mais de 20 anos depois da descoberta da doença, as pessoas continuam acreditando que a Aids mora longe, fingindo que ela não existe. De forma irracional e suicida, vivemos a fase da negação.
As características da Aids ajudam a sustentar a mentira. No seu estágio latente ela não tem sintomas e quando a doença se apresenta, aparece mascarada na forma de outras doenças mais comuns. E mesmo quando chega ao desfecho, o doente continua invisível. Acaba morrendo sozinho, cercado de silêncio e com medo de, em seu derradeiro momento, entregar-se ao julgamento dos outros.
E nessa cegueira acabamos fazendo de nossos jovens e crianças cordeiros em sacrifício. Nunca a Aids se apoderou de tantas vidas jovens quanto agora. Ela se aproveita de que, nesta fase, o ser humano é destemido e inconsequente. Aproveita-se de que ter acesso às informações não significa ter consciência do risco.
Leia mais:
Comportamento de risco aumentou infecções sexualmente transmissíveis
Programas focados em abstinência sexual não são eficazes, diz SBP
Evento em Londrina discute vida sexual em relacionamentos longos
Você sabia que colesterol alto pode levar à impotência?
Uma pesquisa com alunos entre 13 e 17 anos em escolas de São Paulo mostrou que a maioria dos jovens nesta faixa etária não conversa com os pais sobre sexo. Mas pelo menos 23% confirmam que já tiveram relações sexuais; a maioria com mais de um parceiro. E embora cerca de 70% dos jovens tenham informações sobre a Aids e como evitá-la, e 44% falem sobre o medo de contrair uma doença, pelo menos 28% dos jovens abandonam o uso da camisinha quando consideram a relação ''estável''.
Por motivos diferentes, essa situação se repete entre as pessoas da terceira idade. Para se ter uma idéia da gravidade da situação, entre 1993 e 2003 houve um aumento nos casos confirmados de 130% entre os homens e de 396% entre as mulheres com mais de 50 anos.
As pessoas da terceira idade também têm dificuldades para aceitar o uso do preservativo. O preconceito cultural - fazem parte de uma geração em que o sexo era tabu e a camisinha era vista como sinal de promiscuidade - aliado ao aumento da expectativa de vida, das oportunidades sociais e dos medicamentos para disfunção erétil, tornou o grupo um campo fértil para a Aids.
Diferente da mulher, o homem conta com o apoio de medicamentos para continuar ativo. Isto faz com que ele, por prazer ou ilusão de continuar jovem, acabe buscando outras companhias, correndo o risco de contaminar a si e à parceira.
Nos dois casos, o grande problema está em não querer enxergar a verdade. A terceira idade conquistou o direito de passear, dançar, viajar e namorar. Sim, o vovô e a vovó fazem sexo. E sim, nossos filhos estão começando a fazer sexo cada vez mais cedo. O único recurso que temos para salvá-los é conversar abertamente e educá-los dentro de casa. Afinal, a Aids pode não ter cara, mas mora pertinho de todos nós.
Márcio D. Menezes, médico e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Sexual