Uma pesquisa da UEM (Universidade Estadual de Maringá) recebeu destaque mundial ao colaborar com o Ministério da Saúde para o enfrentamento da tuberculose, uma das doenças que mais mata no Brasil.
O trabalho, que recebeu apoio da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), foi apresentado como um exemplo a ser seguido por demais países prioritários no combate à doença.
Os pesquisadores do Gepvhat/UEM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Vigilância do HIV/Aids e da Tuberculose) analisaram a eficácia das políticas públicas que buscam a eliminação da doença no País.
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O grupo está vinculado ao DEN (Departamento de Enfermagem) e ao PSE (Programa de Pós-Graduação em Enfermagem) da UEM, com coordenação da professora Gabriela Magnabosco.
No final de junho, a metodologia empregada pelo Gepvhat/UEM foi exposta em Daca, capital de Bangladesh, durante um painel da OMS (Organização Mundial da Saúde) dedicado a países-modelo na articulação multissetorial para a resposta à tuberculose.
A apresentação foi elaborada pela Coordenação-Geral de Vigilância da Tuberculose, Micoses Endêmicas e Micobactérias não Tuberculosas do Cgtm/Dathi (Departamento de HIV, Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis) do Ministério, representada pela consultora técnica Tiemi Arakawa.
METODOLOGIA
A pesquisa da UEM foi desenvolvida no contexto de aplicação do Marco de Rendição de Contas da Tuberculose (MAF-TB, na sigla em inglês para Multisectoral and Multistakeholder Accountability Framework for Tuberculosis), ferramenta criada pela OMS em 2018. O MAF-TB consiste em um mecanismo de verificação das ações de cada país no enfrentamento à doença, com o intuito de aproximar as nações da meta global de eliminação da tuberculose como problema de saúde pública até 2030.
Com foco em uma melhor aplicação da ferramenta, a Opas designou instituições de pesquisa para monitorar as políticas públicas governamentais de resposta à doença.
A UEM foi a selecionada entre todas as entidades brasileiras, devido à consolidação do Gepvhat/UEM como um dos principais grupos de estudos que desenvolve pesquisas operacionais no âmbito da tuberculose no Brasil.
“Temos sempre tentado manter parcerias, tanto com o Estado, quanto com o município e com o Ministério. Sempre que demandam algum auxílio acadêmico, nós nos colocamos à disposição, e eles têm percebido o potencial que há aqui”, explicou a coordenadora do projeto, Gabriela Magnabosco.
Além de seguir o checklist proposto pelo MAF-TB, os pesquisadores do Gepvhat/UEM elaboraram uma metodologia própria de análise qualitativa das ações do MS contra a tuberculose. Após a delimitação de grupos focais, os cientistas realizaram entrevistas remotas com diferentes agentes do combate à doença no Brasil.
Foram entrevistadas, ao todo, 19 pessoas, em quatro grupos focais estabelecidos pela pesquisa – membros da sociedade civil; gestores municipais e estaduais de saúde; gestores federais de saúde; e pesquisadores da área.
Na composição do primeiro grupo focal participaram quatro representantes de ONGs (Organizações Não Governamentais) que lutam pelos direitos da pessoa com tuberculose no Brasil.
Já entre os gestores municipais, estaduais e federais de saúde foi possível reunir, ao menos, um agente público de cada região do país, totalizando 13 participantes. Dois pesquisadores compuseram o quarto grupo.
Assim, o Gepvhat/UEM se apoiou em depoimentos diversos para identificar os avanços, os desafios e a eficácia das políticas públicas propostas pelo MS nos últimos cinco anos, na perspectiva dos públicos consultados.
Conforme Magnabosco, a metodologia permitiu que o grupo de pesquisadores compreendesse, para além dos resultados, os motivos pelos quais determinadas ações do ministério não tiveram o efeito prático esperado.
“Fizemos a parte quantitativa, que computava e classificava o número de estratégias e políticas de controle da doença desenvolvidas pelo Ministério no país, mas tivemos a sacada de entender que isso era pouco. Por meio de uma análise qualitativa, conseguimos atingir a subjetividade, a percepção de pessoas chave envolvidas, para entender se tais ações estão representando, de fato, a realidade”, disse.
A metodologia elaborada pela Gepvhat/UEM foi única no mundo todo: somente o Brasil aplicou o MAF-TB junto a uma análise qualitativa, o que chamou a atenção do MS e da Opas.
Além da coordenadora, o desenvolvimento do trabalho também contou com a participação dos estudantes Gabriel Pavinati e Lucas Vinícius de Lima. Ambos são doutorandos pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagen da UEM.
“Ouvir diferentes opiniões e perspectivas sobre um mesmo tema enriquece muito a discussão. E, com isso, repensamos, também, os nossos valores. Experimentar tudo isso no olhar do outro proporciona um crescimento muito grande, não só acadêmico, mas também profissional e pessoal”, destacou Pavinati.
“Na pós-graduação, estávamos muito envolvidos com pesquisas epidemiológicas, trabalhando com bancos de dados, uma coisa, talvez, mais fria. O ponto mais importante, para mim, foi ter essa imersão muito grande em diferentes olhares e nos entraves do serviço”, acrescentou Lima.
RESULTADOS
Após as entrevistas com os quatro grupos focais, os pesquisadores transcreveram as falas de todos os participantes. Por meio de um método de análise do discurso, as transcrições foram agrupadas com base em semelhanças e diferenças entre os depoimentos.
Dessa forma, foi possível identificar pontos em comum, bem como opiniões divergentes entre os grupos focais e as diversas regiões representadas. Isso tornou possível mapear a percepção quanto aos avanços e os problemas do enfrentamento à tuberculose em cada contexto de atuação.
Entre os principais desafios que a pesquisa pôde identificar, está a dificuldade em tornar as estratégias e recomendações propostas pelo MS uma realidade no dia a dia dos agentes de saúde estaduais e municipais. É o que os pesquisadores chamam de “transferência da política”, aspecto consonante na maior parte dos discursos.
“Vimos que existe um rol de políticas e atividades promovidas pelo Ministério, mas para isso se transformar em prática, inserida na rotina de trabalho, é muito complicado. As ações dificilmente chegam à ponta do sistema, e quando chegam são dissolvidas nas demais demandas ou desconsideradas em detrimento de outras prioridades. E isso não ocorre só com a tuberculose, mas de forma geral na saúde”, argumentou Magnabosco.
Na mesma linha, outra problemática notada pelos cientistas foi a alta rotatividade profissional no sistema de saúde. A troca constante de trabalhadores diminui a eficácia de ações de capacitação e educação profissional para a aplicação efetiva das políticas de resposta à doença.
Todos os resultados obtidos foram encaminhados ao MS na forma de um relatório, que visa subsidiar a tomada de decisão das autoridades brasileiras de saúde no enfrentamento à tuberculose. Para fevereiro de 2025, está prevista uma segunda fase da pesquisa, com entrevistas presenciais.
Conforme os pesquisadores, a nova etapa deve abranger, também, outros dois grupos focais: representantes do Congresso brasileiro e pessoas afetadas pela doença.
COMBATE À TUBERCULOSE
De acordo com o Relatório Global sobre Tuberculose, da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 2023, quase 10,6 milhões de pessoas tiveram tuberculose no ano de 2022. Dessas, 1,3 milhão morreram devido à doença.
O Brasil tem participação importante nessas estatísticas. Além de responder por um terço dos casos de tuberculose das Américas, o País faz parte do grupo de 30 nações que, juntas, somam quase 87% do total de casos da doença no mundo.
Provocada por uma bactéria conhecida como bacilo de Koch, de nome científico Mycobacterium tuberculosis, a tuberculose é a doença causada por agente único que mais mata no Brasil. Em 2022, foram mais de 81 mil novos casos e 5.845 óbitos em território brasileiro.
Localmente, o Paraná tem taxa de incidência da doença menor que a média brasileira - 19,3 casos a cada 100 mil habitantes, contra 37 do País. Ainda assim, algumas regiões do Estado apresentam média similar ou superior à taxa nacional.
Os números mostram que o Brasil está longe de atingir a meta proposta pela OMS. Para eliminar a tuberculose como problema de saúde pública até 2030, o País deveria reduzir o número de óbitos a menos de 230 por ano, e o número de casos não poderia ultrapassar 10 a cada 100 mil habitantes.
O principal sintoma da doença é a tosse persistente. Outros indícios são febre baixa, principalmente ao entardecer, suor noturno, perda de peso e fadiga. Em alguns casos, as pessoas afetadas também podem apresentar dor no tórax, escarro com sangue e falta de ar.
A tuberculose é transmitida pelas vias respiratórias, por meio de pequenas partículas, os aerossóis, que se espalham no ar. Tosse, fala e espirros de pessoas doentes podem contaminar pessoas próximas, o torna a doença altamente transmissível.
Mesmo assim, há formas de vencê-la. O diagnóstico precoce, o tratamento adequado e a diminuição dos fatores de risco, como o vírus HIV e a vulnerabilidade social e econômica, podem ajudar na redução da ocorrência e da letalidade da tuberculose. Também é essencial a aplicação em massa da vacina BCG, que previne formas graves da doença em crianças.
Por se tratar de uma doença de determinação social, que atinge, principalmente, grupos vulnerabilizados, a coordenação de ações de saúde com políticas públicas de assistência social também é fator importante para a eliminação da doença.