A taxa transmissão do coronavírus atingiu o seu maior índice no Brasil nos últimos dias, por causa da variante ômicron. A conclusão é da plataforma SP Covid-19 Info Tracker, criada por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) e da Unesp (Universidade de São Paulo), com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
De acordo com os estatísticos, que fazem esse cálculo desde setembro de 2020, o Rt (ritmo de contágio) atingiu 1,9 no último domingo (23). Antes da ômicron, o maior Rt registrado pelo Info Tracker havia sido o de 1,29, em 21 de janeiro de 2021.
Nesta terça-feira (25), o Imperial College, de Londres, que acompanha os indicadores mundiais, também encontrou um número recorde: para os britânicos, a taxa brasileira está em 1,78, a mais alta ao menos desde julho de 2020.
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O Rt mostra para quantas pessoas um paciente infectado consegue transmitir o novo coronavírus. Ou seja, um índice de 1,9 quer dizer que cada 100 contaminados transmitem a doença para outras 190 pessoas.
Assim, o ritmo de contágio do vírus deve estar abaixo de 1 para que o número de casos retroceda. Segundo o Info Tracker, a curva do ritmo de contágio no país ultrapassou a marca de 1 desde 22 de dezembro.
Apenas as regiões Centro-Oeste e Nordeste têm índices menores que 1,9, segundo os dados da plataforma. E, mesmo assim, os números podem ter sido camuflados por falta de notificação, dificuldade para se fazer testes ou ainda pelo apagão de dados enfrentado pelo Ministério da Saúde desde dezembro passado.
As projeções do Info Tracker apontam que, na próxima terça-feira (31), a média nacional do ritmo de contágio poderá alcançar Rt 2,03.
"É a primeira vez que vemos esses números na pandemia. É sem precedentes, assustador", afirma Wallace Casaca, coordenador da plataforma. "Infelizmente é mais um triste recorde."
De acordo com o pesquisador, a plataforma utiliza, por meio de algoritmos e inteligência artificial, as curvas epidemiológicas de uma região, números de novos casos em um período e as curvas de vacinação.
Questionado sobre a alta na taxa de contágio, o Ministério da Saúde não respondeu até a publicação desta reportagem.
Impulsionada pela nova escalada dos casos de Covid no país, a ocupação de leitos de UTIs (unidades de terapia intensiva) para pacientes com coronavírus cresceu em 18 estados e no Distrito Federal na última semana, aponta levantamento do jornal Folha de S.Paulo realizado junto aos governos estaduais.
A transmissão do vírus, que se acelerou desde a segunda quinzena do mês passado, por causa da chegada da variante ômicron ao país, tem provocado lotações de hospitais.
Boletim da Prefeitura de São Paulo aponta que, nesta quarta-feira (26), a rede municipal de saúde tinha 837 pessoas internadas com Covid-19, com uma taxa de ocupação de 69% nos leitos de UTIs e 65% nos de enfermaria.
Na terça, havia 840 internados. O número é o maior desde 27 de julho do ano passado, quando a rede hospitalar do município tinha 835 pessoas hospitalizadas com Covid-19.
Entre segunda (24) e terça, a gestão Ricardo Nunes abriu mais 100 leitos para internação de pacientes com o novo coronavírus. Atualmente são 1.241 vagas, entre enfermarias e UTIs, contra 557 do último dia 1º de janeiro.
Nesta quarta, o governo João Doria (PSDB) anunciou a expansão do número de leitos destinados a pacientes com Covid-19 na rede pública estadual. Segundo o tucano, serão mais 700 vagas –266 em UTI e 434 na enfermaria.
O governador afirmou que as vagas estarão disponíveis até o próximo dia 6 de fevereiro. "Por causa do agravamento menor da doença, então os leitos primários são os principais neste momento", disse.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde disse desconhecer a metodologia do estudo do Info Tracker. A pasta afirmou que realiza um monitoramento diário da pandemia com base nos indicadores oficiais.
"A rede de Saúde estadual segue com os leitos exclusivos para os atendimentos Covid-19. No momento, o estado conta com cerca de 6.000 leitos de enfermaria, que atualmente encontram-se com ocupação média de 69,1% e cerca de 4,9 mil leitos de UTI, com ocupação de 68,7%", afirma.
"Preventivamente, a secretaria desacelerou em janeiro qualquer redirecionamento dos leitos exclusivos para a assistência do coronavírus e, se necessário, ampliará a assistência exclusiva."
Na capital, o Rt atual é de 1,79, contra 1,8 na média geral do estado. A região de São José do Rio Preto (438 km de SP) tem o pior índice paulista, de 1,9.
"O problema de se ter uma variante tão transmissível assim é que o número de casos aumenta numa projeção geométrica, como está acontecendo agora", afirma o médico Marcos Boulos, professor de infectologia da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), e que fez parte do centro de contingência do governo estadual para combate do novo coronavírus.
"Porém, isso faz com que se atinja rapidamente uma quantidade imensa de transmissão e de imunidade também", afirma.
Para o médico Álvaro Furtado da Costa, infectologista do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), a alta na taxa de transmissão não surpreende pelo aumento no número de pacientes atendidos por ele em internações.
"Esperava até um número maior, pois é espantosa a velocidade de transmissão e espalhamento dessa variante", afirma. "A dúvida é saber a dinâmica desta curva, saber quanto tempo vai durar o pico, quanto tempo vai durar o platô."
Para Casaca, os dados analisados apontam para uma tendência de queda no ritmo de contágio na região da Grande São Paulo para a segunda quinzena de fevereiro.
A ômicron chegou ao país no início de dezembro. Segundo recente levantamento da Vigilância Sanitária paulistana, em apenas cerca de duas semanas, a nova variante do coronavírus já representava metade incidência de casos na capital.
Jamal Suleiman, infectologista do Instituto de Infectologia do Emilio Ribas, lembra que a ômicron mata menos quem se vacinou. Por isso, chama a atenção para a necessidade de se completar o ciclo de imunização.
"Se você considerar que na cidade de São Paulo há 100 mil pessoas que não tomaram vacina e as que têm esquema vacinal incompleto, e colocar aí 1% de indivíduos evoluindo para desfechos graves com necessidade de terapia intensiva, não tem sistema de saúde que dê conta", afirma.
"Oito em cada dez que vão parar na assistência de terapia intensiva [no Emílio Ribas] têm ou esquemas vacinais incompletos ou não tomaram a vacina, e, desses, dois vão ter uma evolução ruim."
Segundo dados do Vacinômetro, plataforma da prefeitura paulistana com dados sobre vacinação contra a Covid-19, até às 13h desta quarta, 86,7 mil adultos não voltaram para tomar a segunda dose na cidade de São Paulo. Outros 161 mil adolescentes, de 12 a 17 anos, também não completaram o ciclo.
O médico Álvaro Furtado da Costa alerta para a necessidade de aceleração na vacinação de crianças de 5 a 11 anos, que no Brasil começou em 14 de janeiro.
"Já estamos no fim de janeiro e logo as aulas estão aí, isso gera preocupação", alerta. "As crianças são um nicho de transmissão."
Ao menos sete estados brasileiros estão com uma ocupação de 80% ou mais dos leitos de UTI (unidade de terapia intensiva) pediátricos para o tratamento de crianças com Covid-19.
Todos os especialistas ouvidos pela reportagem apontam para a necessidade de se manter protocolos de higiene, como lavagem das mãos e uso de álcool em gel, além da máscara de proteção.