Um grupo de cientistas dos Estados Unidos testou uma vacina experimental que foi capaz de ativar anticorpos e eliminar dezenas de linhagens do vírus HIV em camundongos, porquinhos da índia e macacos. Os resultados do teste foram publicados nesta segunda-feira, 4, na revista científica Nature Medicine.
O artigo foi publicado por cientistas ligados ao Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid, na sigla em inglês), além de pesquisadores da Universidade Vanderbilt, do Centro de Biologia Estrutural de Nova York, da Universidade da Califórnia em São Francisco e da Universidade Columbia - todos nos Estados Unidos.
De acordo com Anthony Fauci, diretor do Niaid, a vacina se baseia em um "calcanhar de Aquiles" do vírus, isto é, um local vulnerável da estrutura do vírus.
Leia mais:
Atendimento a dependentes de apostas cresce sete vezes no SUS, com alta entre mulheres
Aumento de casos de coqueluche pode estar ligado à perda de imunidade vacinal e cobertura insuficiente
Saúde alerta para a necessidade da vacinação contra a coqueluche para conter o aumento de casos
Falta de Ozempic em farmácias leva pacientes à busca por alternativas
"Os cientistas utilizaram seu detalhado conhecimento da estrutura do HIV para descobrir um local incomum de vulnerabilidade no vírus. Com isso eles puderam desenhar uma vacina nova e potencialmente poderosa. Esse elegante estudo tem potencial para ser um passo importante na busca por uma vacina segura e eficaz contra o HIV", afirmou Fauci.
Com os bons resultados dos testes, os cientistas anteciparam para o segundo semestre de 2019 um ensaio clínico em humanos com a nova vacina.
De acordo com Fauci, o Niaid tem duas abordagens complementares na busca pela vacina do HIV. Em uma delas - que foi utilizada no novo estudo -, os cientistas identificam poderosos anticorpos que possam neutralizar várias linhagens do vírus e, depois disso, tentam produzir os anticorpos com uma vacina baseada na estrutura das proteínas da superfície do HIV, onde os anticorpos aderem. Nesse método, portanto, os cientistas começam estudando a resposta imunológica mais promissora e depois trabalham para desenvolver uma vacina que induza essa resposta.
Na outra abordagem, mais empírica, os cientistas começam avaliando as candidatas a vacina mais promissoras a partir da eficácia em testes clínicos com humanos. Depois, tentam utilizar os resultados positivos, em novos ensaios clínicos, a partir da análise da resposta imune apresentada pelos participantes.
Nos últimos anos, os cientistas descobriram inúmeros anticorpos poderosos que ocorrem naturalmente e que podem impedir diversas linhagens do HIV de infectar células humanas em laboratório. Metade das pessoas que vivem com o HIV utilizam esses "anticorpos amplamente imunizantes", mas, em geral, apenas vários anos após a infecção, quando o vírus já está estabelecido no organismo.
Os cientistas identificaram e caracterizaram os "epítopos" do HIV, isto é, os locais de sua estrutura onde adere cada um desses anticorpos amplamente neutralizantes. Vários laboratórios ao redor do mundo estão desenvolvendo candidatas a vacinas contra o HIV com base na estrutura desses epítopos, com o objetivo de persuadir o sistema imunológico de pessoas HIV-negativas a produzir anticorpos protetores depois da vacinação.
A nova vacina experimental se baseou no epítopo conhecido como "peptídeo de fusão do HIV", que havia sido identificado pelos cientistas do Niaid em 2016. O peptídeo de fusão, uma curta sequência de aminoácidos, é parte do "espinho" que existe na superfície do HIV e que é utilizado pelo vírus para entrar nas células humanas.
De acordo com os autores do novo estudo, o peptídeo de fusão do HIV é especialmente promissor para ser utilizado em uma vacina porque sua estrutura é a mesma na maioria das linhagens do HIV. E também porque o sistema imunológico claramente é capaz de "enxergá-lo" e produzir uma forte resposta imune contra ele. O peptídeo de fusão não possui os açúcares que atrapalham a "visão" do sistema imune em outros epítopos do HIV.
Para desenvolver a vacina, os cientistas produziram diferentes imunógenos, que são proteínas com a função de ativar a resposta imune. Eles foram desenhados a partir da estrutura do peptídeo de fusão. Antes, os pesquisadores avaliaram os imunógenos utilizando uma coleção de anticorpos que têm como alvo o peptídeo de fusão. Os imunógenos foram então testados em camundongos para descobrir qual deles era mais eficaz na ativação de anticorpos neutralizantes para o peptídeo de fusão.
Resultados. Segundo os resultados do estudo, o melhor imunógeno consistia em oito aminoácidos do peptídeo de fusão ligados a um transportador, que gerou uma forte resposta imune. Os cientistas então testaram diferentes combinações de injeções da proteína em camundongos e analisaram os anticorpos que a nova vacina gerou. Os anticorpos aderiram ao peptídeo de fusão do HIV e neutralizaram até 31% dos vírus de um total de 208 linhagens de HIV.
Com base nas análises, os pesquisadores ajustaram a vacina e fizeram testes em porquinhos da índia e macacos. O teste também produziu anticorpos que neutralizaram uma fração substancial das linhagens de HIV, fornecendo evidências iniciais de que a vacina pode funcionar em múltiplas espécies.
Os cientistas agora estão trabalhando para aprimorar a nova vacina, tornando-a mais potente e capaz de conseguir resultados mais consistentes com menos injeções. Os pesquisadores também estão isolando os anticorpos amplamente neutralizantes adicionais que foram gerados pela vacina nos macacos. Eles avaliarão a capacidade desses anticorpos para proteger os animais de uma versão do HIV em macacos.
Os pesquisadores do Niaid dizem que irão utilizar sua descoberta para otimizar a vacina e, então, fabricar uma versão dela adequada para os testes de segurança em voluntários humanos em um teste clínico cuidadosamente desenhado.