"Zé, se cuida. Não saia de casa". Foram essas as últimas palavras ditas pelo cardiologista Sérgio Paulo Almeida de Camargo, 73, ao cunhado quando seguia para a UTI do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Referência na cardiologia paulista, Camargo morreu no último sábado (2), em decorrência da Covid-19, após 15 dias internado.
"Até o fim, ele se manteve preocupado com os outros", relata o amigo Carlos Alberto Cyrillo Sellera, chefe de serviço de cardiologia da Santa Casa de Santos, litoral paulista.
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Ambos se conheceram na antiga Faculdade de Ciências Médicas de Santos, no início dos anos 1970, onde Camargo concluiu a graduação em medicina, iniciada na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Depois de formados, os dois foram os responsáveis pelos primeiros testes ergométricos na cidade, frequentaram juntos inúmeros congressos médicos e mantiveram uma amizade por mais de 40 anos.
"Era muito ético e humano, defensor das causas médicas e dos pacientes, sempre muito atualizado na profissão. Tinha uma cultura geral muito grande, a gente conversava sobre música, política, cinema. Era meu amigo de todas as horas", conta Sellera.
O cardiologista Roberto Kalil Filho, do Sírio-Libanês e do InCor (Instituto do Coração), afirma que por mais de 25 anos ele e Camargo tiveram pacientes em comum e trocavam informações sobre eles.
"Estou muito triste. A cardiologia perdeu um grande médico. Era um médico com M maiúsculo, E maiúsculo, D maiúsculo, I maiúsculo, C maiúsculo e O maiúsculo."
O cardiologista Antonio Carlos Palandri Chagas, diretor-científico da AMB (Associação Médica Brasileira), diz que Camargo era muito atualizado e sempre presente nos congressos nacionais e internacionais da especialidade.
"Era muito respeitado por nós, cardiologistas. Sempre esteve na linha de frente. Falamos no início da pandemia, ele estava preocupado por, assim como eu, estarmos no grupo de risco, pela idade", diz ele, com 65 anos.
Para o infectologista Evaldo Stanislaw de Araújo, Camargo era um lorde da medicina. "Era um médico à moda antiga, muito elegante, erudito e que usava paletó e gravata no consultório."
Segundo ele, Camargo tinha pacientes de diferentes classes sociais e tratava a todos sem distinção. "Temos vários pacientes em comum. Em todos os exames, ele batia um carimbo, com data, comentários e anotações. Era muito criterioso", diz.
Nas redes sociais, pacientes descreveram o médico rigoroso e muito dedicado aos pacientes. "Ainda está muito difícil acreditar [na morte]. Logo ele que sempre cobrava a disciplina na nossa vida, que não dava moleza para os pacientes", disse Eduardo Silva.
"Era meu médico há mais de 25 anos, um desses raros profissionais da medicina que exercia como um sacerdócio a sua vocação. O seu semblante fechado escondia um grande coração", afirmou Josimar Ramos de Oliveira.
José Antonio Soares relatou que devia a vida ao médico. "Diagnosticou meus problemas com exatidão e encaminhou-me para procedimentos hospitalares coroados de sucesso."
Caleb Soares Silva lembrou da humildade e do senso de responsabilidade de Camargo. "Em que pese sua competência e seu devotamento à profissão, sem chegar a um diagnóstico preciso, encaminhou-me a outro colega seu, e o meu problema do coração foi sanado", relatou.
Ana Paula Alves trabalhou 25 anos no consultório do médico e comentou sobre o seu perfeccionismo. "Não errava e não permitia erros. Era justo, culto, amava a cardiologia como ninguém e vivia para sua profissão e seus pacientes."
Para os amigos mais próximos, Camargo confidenciou a sua preocupação com o avanço e a gravidade da doença no país e o negacionismo de uma parcela da sociedade.
"Ele cuidou de muita gente importante, influente, de diferentes vertentes. Que a sua morte sirva de ponto de inflexão para que as pessoas deixem de fazer eco a essas loucuras e atendam aos apelos das autoridades sanitárias", comenta Evaldo de Araújo.
Camargo deixa a mulher, Amália, e dois filhos, o engenheiro Sérgio Paulo Júnior e a médica Paola.