O Brasil foi o único país em desenvolvimento a se opor à proposta de abrir mão de direitos de propriedade intelectual para acelerar a produção e expandir o acesso a vacinas e tratamentos para Covid-19, em reunião na OMC (Organização Mundial do Comércio) na última quarta-feira (10).
A proposta foi apresentada no ano passado pela Índia e África do Sul, é copatrocinada por outros 57 membros da entidade e tem o apoio de ao menos outros 50 países.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) também defende a ideia, sob o argumento de que ela permite a produção em nações menos desenvolvidas, das quais cerca de cem não receberam até agora nem uma dose de imunizante.
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Até quarta, já haviam sido administradas no mundo 319,6 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19, mas 212,8 milhões (65%) foram aplicadas nos EUA, China, União Europeia e Reino Unido. Os governos americanos e britânicos já administraram cerca de 30 vacinas por 100 habitantes, enquanto a maioria dos países mais pobres não chegou a 1 dose/100 habitantes.
A OMS tem criticado o chamado "nacionalismo da vacina", em que países mais ricos compraram mais doses que as necessárias para toda a sua população enquanto a maior parte do mundo não tem imunizantes. Segundo a organização, a vacinação global é a única forma de conter de forma segura a transmissão do Sars-Cobv-2.
Pela proposta endossada pela maioria dos países, haveria isenção de obrigações do Trips relacionadas a direitos autorais, desenhos industriais, patentes e proteção de informações não divulgadas.
A suspensão duraria um período predeterminado até que a vacinação em massa estivesse em vigor em todo o mundo e a maioria da população mundial estivesse imune. Os membros revisariam a isenção anualmente até a rescisão.
Na reunião da última quarta (10), que terminou sem decisão, o Brasil afirmou que o acordo que já regula propriedade intelectual, chamado Trips, já fornece ferramentas e políticas para ações de saúde pública por parte dos Estados membros.
Segundo a posição defendida pelo atual governo brasileiro, flexibilidades do acordo, com medidas como licenças compulsórias, podem ser usadas se preciso para acelerar a produção de vacinas e medicamentos.
No passado, o Brasil chegou a adotar a quebra de patente para permitir o uso de um medicamento para tratar doentes de Aids, o Efavirenz, do laboratório americano Merck Sharp&Dohme. Para baratear o remédio, o país optou por genéricos fabricados na Índia, em 2007.
A ameaça de quebra de patente já havia rendido descontos em antirretrovirais (que inibem a multiplicação do HIV) em 2001 e 2003.
Na quarta, o governo brasileiro -que em média administrou 5,3 doses por 100 habitantes- ficou ao lado de grandes fabricantes de medicamentos, como a Suíça (11 doses/100), os Estados Unidos (28/100), o Reino Unido (35/100).
O argumento desses países é que apenas o sistema de proteção intelectual vigente fornece os incentivos necessários para os desenvolvedores e fabricantes de vacinas.
A União Europeia, também produtora e exportadora de imunizantes e medicamentos, defendeu que o acesso equitativo às vacinas seja feito por meio do consórcio Covax, que planeja entregar 1,3 bilhão de doses a 92 países de baixa renda.
O Covax, porém, assim como a própria UE, foi afetado neste trimestre pela falta de capacidade de produção que tem feito fabricantes de vacina cortarem suas remessas. Além disso, a OMS argumenta um dos efeitos positivos de licenciar as vacinas e tratamentos contra a Covid-19 é justamente permitir que os países pobres dependam menos de doações.
Ao defender sua proposta, a África do Sul afirmou que, se as licenças compulsórias fossem uma solução, elas já teriam sido postas em prática.
A OMS também considera necessária uma solução mais ampla negociada na OMC, porque o licenciamento voluntário, segundo a entidade, é limitado, nem sempre transparente e insuficiente para atender às necessidades da atual pandemia.
O assunto deve voltar a ser debatido em abril.