A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) enviou uma lista de questionamentos ao Ministério da Saúde sobre a decisão de liberar a dose de reforço da vacinação contra Covid-19 a todos adultos.
A agência também pede dados sobre a decisão de aplicar a vacina da Janssen, antes de dose única, em duas doses.
Essas mudanças na estratégia de vacinação, anunciadas pelo Ministério da Saúde na terça-feira (16), pegaram de surpresa a Anvisa e os fabricantes das vacinas.
"Os esclarecimentos solicitados são necessários sob o ponto de vista sanitário, especialmente no que se refere ao monitoramento do uso dos novos esquemas vacinais no Brasil", disse a agência, em nota divulgada à imprensa nesta quinta-feira (18).
Os questionamentos da Anvisa foram enviados na noite de quarta-feira (17) ao Ministério da Saúde. A agência afirma que é preciso demonstrar "minimamente" que seguem mantidas a segurança e a eficácia das vacinas após as mudanças.
No mesmo documento, a Anvisa afirma que só conhece discussões sobre a Janssen que envolvem a "possibilidade de aplicação de dose de reforço e não de segunda dose como parte do esquema primário de vacinação".
Em seis questionamentos sobre a mudança no esquema vacinal da Janssen, a agência pede à Saúde dados de estudos utilizados para o anúncio, como a eficácia demonstrada após a segunda dose e a aplicação de reforço e resultados de segurança.
"A agência solicita, também, que sejam informados quais foram os estudos, pareceres e nota técnicas, contendo evidências científicas e dados clínicos, que subsidiaram a decisão do Ministério da Saúde para ampliar a aplicação de dose de reforço para toda a população adulta", afirma a Anvisa no documento.
Na leitura de integrantes da Anvisa, a decisão do ministério atropela discussões da agência sobre o tema. O órgão já abriu análise para inserir na bula das vacinas da AstraZeneca e da Pfizer as regras sobre a dose de reforço.
Em discussão prévia, técnicos da Anvisa aconselharam o ministério a aguardar uma posição da agência sobre a aplicação da dose de reforço, o que não ocorreu.
A Janssen também deve enviar nas próximas semanas dados sobre a aplicação da dose de reforço, mas não há previsão de que a empresa peça mudança no ciclo vacinal básico. Hoje essa vacina é aplicada em dose única no Brasil.
Com os pedidos das farmacêuticas em mãos, a Anvisa ainda pode tomar decisões diferentes daquelas anunciadas pelo ministério. Por exemplo, aprovando a dose de reforço da Janssen, mas sem inserir em bula a previsão de uma segunda aplicação no ciclo básico.
Apesar do mal-estar e dos questionamentos, a Anvisa quer evitar uma disputa com o ministério. A ideia é não alimentar o discurso antivacina.
A Saúde elaborou nota técnica na noite de quarta-feira (16) sobre a dose de reforço. A equipe do ministro Marcelo Queiroga afirma que "preferencialmente" deve ser utilizado imunizante da plataforma de RNA mensageiro, como da Pfizer. Também orienta que a vacina de vetor viral, como da Janssen ou AstraZeneca, pode ser aplicada de forma "alternativa".
Desde o fim de setembro o ministério já recomenda a dose de reforço para pessoas com 60 anos ou mais, além de grupos de risco. Neste caso, a Anvisa participou da decisão.
A legislação deixa margem para o Ministério da Saúde decidir sobre temas que cabem à Anvisa, como a forma de aplicação de vacinas. Mas o ministro só pode tomar esse tipo de iniciativa em casos "que impliquem risco à saúde da população" ou em cenários de inação da Anvisa, conforme as regras vigentes.
Na leitura de técnicos da agência, o ministério deveria formalizar que agiu no lugar do órgão regulador, em publicação no Diário Oficial da União, por exemplo, além de explicar as razões para essa iniciativa.
Um ponto que preocupa a Anvisa é sobre como organizar o monitoramento das reações adversas das
vacinas. Na leitura da agência, esse é um dos temas que deveria ter sido previamente debatido com o ministério.
Os anúncios desta terça também pegaram de surpresa parte da equipe do ministro Marcelo Queiroga. As decisões sobre a Covid-19 têm sido tomadas em grupos restritos e o PNI (Programa Nacional de Imunizações) está sem comando desde o fim de junho.
O argumento de auxiliares de Queiroga é de que tanto a mudança sobre a aplicação da dose da Janssen e a ampliação do público da vacina de reforço seguem experiências internacionais.
Em nota divulgada na terça-feira (16), porém, a Anvisa disse que iniciativas desse tipo foram previamente discutidas com as agências reguladoras em diversos países.
"Antes de incorporar a dose de reforço das vacinas, países como Estados Unidos, Canadá, Indonésia, Grã-Bretanha, Israel, membros da Comunidade Europeia e outros submeteram a estratégia à avaliação prévia das suas autoridades reguladoras. Primariamente, a terceira ou dose de reforço foi indicada para pessoas com sistema imunológico enfraquecido, idosos e profissionais de saúde", disse a agência brasileira.