As imagens de Cuca mostrando ao meio-campista argentino Matías Zaracho, no Mineirão, o dedo quebrado da mão direita dimensionam a face mais autêntica do treinador do Atlético-MG.
A fratura foi resultado de uma comemoração empolgada do gol marcado pelo atacante chileno Eduardo Vargas, no último dia 3 de novembro, na vitória por 2 a 1 sobre o Grêmio, em jogo atrasado pela 19ª rodada do Campeonato Brasileiro.
Leia mais:
Flamengo de 2019 criou ídolos, formou treinador e virou parâmetro no Brasil
Palmeiras bate o pé e jogo contra Atlético-GO terá duas torcidas
Gaviões avança em negociação para criar vaquinha que visa quitar arena do Corinthians
Times do Paranaense apostam em manutenção de treinadores para 2025
Na partida, viralizou ainda outro registro excêntrico do técnico. No auge de seus 58 anos, deixou o gramado correndo e pulando em direção aos vestiários.
Antes da conquista do título brasileiro nesta quinta-feira (2), rompendo um jejum de 50 anos, que o eleva, para muitos, à condição de maior técnico da história do clube, Cuca precisou superar nos primeiros meses deste ano um roteiro pessoal com tons dramáticos.
Menos de um mês depois de conduzir um improvável Santos à uma final de Libertadores, em janeiro, o treinador se viu cotado a assumir o clube mineiro, com o qual conquistou o torneio sul-americano, em 2013, mas boa parte das menções ao seu nome nas redes sociais eram de rejeição.
Ele seria o substituto de Jorge Sampaoli, que foi para o Olympique (FRA).
Encabeçada por uma mobilização de torcedores do Atlético-MG, a hashtag "CucaNão" se transformou em termo viral na ocasião.
O título continental de 2013, o maior da história do clube mineiro, não era o suficiente para garantir a volta.
Um caso policial de 1987, enquanto jogador do Grêmio, em uma excursão do clube gaúcho em Berna, na Suíça, quando ele e três companheiros de time -Eduardo Hamester, Fernando Castoldi e Henrique Etges- foram detidos e condenados por violência sexual a uma menor de 13 anos, reverberava com força, principalmente em coletivos feministas da torcida atleticana.
Cuca precisou vir a público para jurar inocência ao lado da família. O clube mineiro, por sua vez, tratou o assunto como "superado", dizendo acreditar na palavra do treinador.
Era intragável ainda para parte dos atleticanos o último ato na passagem anterior, quando aceitou a proposta do Shandong Luneng, da China, às vésperas do Mundial de Clubes. A surpreendente derrota para o marroquino Raja Casablanca, já sem o treinador, foi para a conta dele.
Pichações de "fora, Cuca", apenas sete jogos após a estreia, surgiram nos tapumes da obra do novo estádio do clube. Tudo isso aliado a situação delicada de saúde com a mãe, dona Nilde, internada por complicações da Covid-19.
"Eu tenho os meus problemas. Me concentrei com a minha neta no hospital, aqui em Belo Horizonte, passando mal, com todos os indícios dessa doença maldita. Uma criança de 4 anos, a gente correndo para lá e para cá", relatou. "Ainda tive o problema com a minha mãe", acrescentou.
Cuca e Atlético-MG têm em comum o romper do improvável. Se em 2013, embalado pelo coro de "eu acredito", o clube conseguiu o inédito título da Libertadores com reações inesperadas, desta vez a experiência foi pessoal para o treinador.
"É o maior gestor de vestiários que já vi. É um estrategista e um cara de muita fé, mas muita mesmo. Ele conseguiu usar tudo o que viveu e ouviu para reverter a situação em seu favor", explica à Folha o ex-goleiro Victor, atualmente gerente de futebol do clube.
"Há muitas semelhanças com 2013, de um ambiente com competição interna grande, mas respeitosa. Para muitos viraria uma gestão de egos e vaidades incontroláveis, mas ele conseguiu", completa.
O técnico transformou o Atlético de contratações milionárias em referência de resultados. "Vamos falar em números? Eu adoro falar números, porque eu só fico com eles na cabeça", disse Cuca em 4 de novembro.
Com ele, o clube alcançou 15 vitórias seguidas como mandante, um recorde histórico na competição. Fez, também, o melhor primeiro turno -ainda tem o melhor aproveitamento em casa e o melhor fora.
"Ele parece ficar inspirado no clube, as coisas não teriam acontecido em 2013 sem ele e vejo o mesmo agora. Cuca costumava dizer que o time dele era o desorganizado organizado", conta Evaldo Prudêncio, responsável pela logística atleticana à época.
Até Cuca vencer a Libertadores, o Atlético vivia no atual século os anos mais difíceis de sua história. De 2001 a 2013 conquistou somente três estaduais -2007, 2010 e em 2013- e ainda carregava marcas de um doloroso rebaixamento à Série B, em 2005, enquanto o rival empilhava conquistas relevantes.
"Quando cheguei, em 2000, o clube treinava em uma sede social cheia de torcedores. Caras que davam até pitaco no treinamento. Quando retorno, vejo um clube totalmente estruturado e diferente, mas que precisava de um vencedor por trás. O Cuca teve muita habilidade para fazer um time campeão", relata Gilberto Silva, presente na campanha de 2013.
Cuca embalou uma nova versão capaz de deixar para trás críticas ao "Cucabol" -termo irônico e crítico sobre o estilo de jogo adotado por ele- e se consolidar como um grande treinador.
O clube do "eu acredito" virou, com ele, "o Galo ganhou", novo coro cantado pela torcida nas partidas, criado em 2015 pela torcedora Marci e popularizado durante a campanha deste ano pelo jornalista Fael Lima, do Alterosa Esporte.