O plano de concessão do Maracanã exige que o futuro gestor do estádio disponibilize ao governo do Rio de Janeiro cinco camarotes com serviço de bufê e 200 ingressos por jogo no setor mais caro do estádio.
O modelo entregaria à gestão estadual o poder de distribuir cerca de 21 mil ingressos por ano, considerando a exigência mínima de 70 partidas na arena no período e a capacidade média de 20 pessoas por camarote.
A conta exclui as cerca de 600 cadeiras cativas cujos proprietários não se recadastraram e são, atualmente, geridas pelo governo. A minuta dos documentos da concessão não deixa claro qual será o destino delas.
O governo fluminense disponibilizou para consulta pública no início de outubro as regras previstas para a licitação de concessão do estádio. A intenção do estado é que o contrato com o vencedor da disputa seja assinado em janeiro do ano que vem.
As regras vão ser debatidas em audiência pública na próxima quarta-feira (27) e podem ser alteradas até o lançamento do edital definitivo. A ideia é que a arena seja concedida por 20 anos -com a possibilidade de prorrogação por mais 5.
Pela minuta do termo de referência divulgado, os camarotes e ingressos exigidos pelo governo deverão ser do setor oeste, o mais caro do estádio.
Para o jogo da próxima quarta-feira (27) entre Flamengo e Athletico-PR, pela semifinal da Copa do Brasil, o preço da entrada para parte do setor é de R$ 500. O "Maracanã Mais", área da seção oeste da arena, com serviço de bufê, custa R$ 1.000.
O secretário estadual da Casa Civil, Nicola Miccione, responsável pelo processo de concessão, disse que os ingressos são necessários para "receber autoridades".
"O Maracanã tem 107 camarotes. É do estado. Historicamente, no modelo anterior, o estado já tinha camarotes. É um equipamento público. O estado coloca a necessidade de preservar um espaço para receber autoridades", afirmou ele.
O estádio, porém, já conta com uma tribuna de honra, espaço reservado para as autoridades. As regras em debate também exigem que o novo gestor preserve o atual direito de uso exclusivo e gratuito do espaço
Miccione afirma que os camarotes atenderão também à Assembleia Legislativa e o Tribunal de Justiça. Ele afirmou que não haverá "mau uso dos ingressos", mas não indicou que regras serão adotadas para a distribuição.
"Hoje são ingressos solicitados. Se houve mau uso no passado, as gestões passadas que respondam", afirmou o secretário.
A prática nos anos pré-pandemia foi o uso dos camarotes pelos políticos. A distribuição de ingresso foi marca na gestão do ex-governador Wilson Witzel (PSC), frequentador assíduo do estádio com a camisa do Flamengo.
Em setembro de 2019, quando o clube estava na reta final das conquistas do Brasileiro e da Libertadores daquele ano, a Suderj (Superintendência de Desportos do Rio de Janeiro) editou portaria regulamentando o uso das cerca de 600 cadeiras cativas "abandonadas" após recadastramento dos proprietários.
O órgão definiu que 60% delas seriam distribuídas para associação de moradores, associações desportivas, alunos da rede pública e pessoas com deficiência. O restante seria "para representações" a serem definidas pela Secretaria de Governo, responsável pela articulação política.
Naquele ano, o governo dificultou a divulgação dos beneficiários em pedidos feitos por meio da Lei de Acesso à Informação. Nenhum dos dois pedidos feitos por jornalistas foram respondidos, segundo documentos do sistema do estado.
A minuta do edital determina que o novo gestor respeite o direito de uso das cadeiras cativas dos atuais proprietários, sem fazer referência às que atualmente estão sob gestão do estado.
De acordo com a Suderj, a previsão é que o estado continue a administrá-las aguardando o recadastramento dos proprietários ou seus herdeiros.
O estádio é gerido desde abril de 2019 por Flamengo e Fluminense. Os clubes assumiram a arena após Witzel revogar o contrato com o consórcio Maracanã, liderado pela Odebrecht, depois de uma tentativa de renegociação que se arrastava havia quatro anos.
As regras previstas para a licitação forçam a participação de três clubes da cidade.
Entre as exigências previstas para o concorrente está a comprovação de garantia de realização de, no mínimo, 70 partidas no estádio -Libertadores e Sul-Americana inclusas no pacote. Dessas, no mínimo 54 devem ser das Série A ou B do Brasileiro e da Copa do Brasil.
Pelo modelo atual, cada clube é mandante de 19 partidas no campeonato nacional e pode participar de, no máximo, oito fases na competição mata-mata.
Por essa conta, os atuais administradores do estádio, Flamengo e Fluminense, podem somar uma garantia máxima de 54 jogos em casa. O número deve ser ainda menor, já que ambos costumam entrar em fases mais avançadas da Copa do Brasil.
O edital foi feito para envolver também o Vasco da Gama, atualmente fora do acordo. O clube já demonstrou interesse em participar da licitação.
"O Vasco é parte da lenda do Maracanã. Foi o primeiro campeão do estádio e conquistou seus principais títulos lá. A intenção é fazer um 'mix' com São Januário, deixando as partidas mais importantes para o Maracanã", disse o vice-presidente do Vasco, Carlos Roberto Osório.
A minuta do edital abre a possibilidade de participação de empresas com experiência em gestão de arenas, consorciadas ou não com os clubes.
"O modelo é aberto. Se uma empresa gerenciadora de arenas tiver o compromisso formal [dos clubes] para aquelas datas, nada impede que seja uma profissional de eventos. Até se recomenda que se tenha no consórcio uma empresa do tipo. Mas a regra é aberta", afirma Miccione.
O grupo francês Lagardère, que se movimentou para herdar o antigo contrato de concessão da Odebrecht, tem interesse no estádio.
Contudo, Flamengo e Fluminense, atuais gestores do Maracanã, avaliam disputar a concorrência sem o envolvimento de uma gestora profissional de arenas, como no modelo em vigor.