Drauzio Varella, médico e colunista da Folha de S.Paulo, e a TV Globo foram condenados a pagar uma indenização de R$ 150 mil após exibição de uma entrevista com a travesti Suzy Oliveira no "Fantástico", em março de 2020. A decisão judicial não é definitiva e ainda cabe recurso.
A ação que motivou a condenação por danos morais foi interposta por Emerson Ramos da Costa Lemos, pai de um garoto de nove anos que foi estuprado e morreu pela travesti, em maio de 2010.
À Justiça, Lemos disse que "sofreu novo abalo psicológico ao reviver os fatos" contra seu filho quando foi procurado por outros veículos de imprensa para repercutir a entrevista concedida por Suzy Oliveira.
Leia mais:
Band abre inscrições para as temporadas do “MasterChef Brasil” em 2024
Ana Hickmann vai apresentar especial de fim de ano na Record; saiba como será
Luis Miranda e Marcos Veras vão comandar quadros no reality BBB 2024
Angelina Jolie diz não conseguir viver livremente após se separar de Brad Pitt
A entrevista exibida no programa dominical abordava a situação de pessoas transgênero no sistema penitenciário brasileiro, e Suzy foi uma das entrevistadas. O ápice do encontro entre Drauzio e Suzy ocorreu quando o entrevistador perguntou há quanto tempo a presidiária não recebia uma visita na cadeia - ela cumpre pena numa unidade prisional de Guarulhos (Grande SP).
Oliveira respondeu: "Oito anos, sete anos". O médico então disse: "Solidão, né, minha filha", e deu um abraço na entrevistada. A troca de afeto entre Drauzio, que é voluntário no sistema penitenciário há 32 anos, e a detenta gerou comoção na internet, que promoveu uma mobilização para o envio de cartas e presentes para a travesti.
A própria Secretaria de Administração Penitenciária do governo de João Doria (PSDB) ajudou na campanha, e a cela de Suzy acabou lotada com cartas, Bíblias, livros, chocolates e maquiagens, entre outros itens.
A situação só se inverteu na semana seguinte à exibição da entrevista quando sites e contas em redes sociais, muitos deles encabeçados por personalidades conservadoras e bolsonaristas, passaram a divulgar os crimes cometidos pela detenta que não haviam sido informados na entrevista conduzida pelo médico.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) declarou em uma rede social na ocasião que "enquanto a Globo tratava um criminoso como sofredor, omitia os crimes por ele praticados". Na mesma postagem, Bolsonaro enalteceu "a internet livre" por disseminar a razão do crime e lamentou o veto à prisão perpétua na Constituição.
A juíza Regina de Oliveira Marques, da 5ª Vara Cível do Foro Regional II de Santo Amaro, na capital paulista, a responsável pela sentença, tratou Suzy com pronomes masculinos em seu despacho, apesar de redigir o nome social da detenta duas vezes.
Para a magistrada, Varella e a TV Globo causaram constrangimentos ao pai do garoto assassinado por Suzy ao "veicular matéria que minimizava a condição de presidiário do assassino do filho do autor, menor, sem atentar ao dever de veracidade, ou seja, a investigação do porquê da prisão, com nítido abuso de direito de informação, já que não adotaram a diligência necessária na apuração dos fatos, tampouco a cautela que é recomendável".
A juíza disse também que não "há que se falar em mera opinião sobre o caso emitida na matéria, mas sim, afastamento de ética com erro inescusável ao tentar justificar a prisão do assassino que passou a receber atenções do público e o autor [da ação], por outro lado, sendo procurado por outros meios para pretensas entrevistas acerca da matéria".
A maioria das críticas contra a entrevista não ocorreu pelo abraço dado pelo médico na travesti, mas pela omissão na reportagem do crime cometido por ela, o que teria gerado simpatia do público pela detenta, fato reforçado pela magistrada que julgou o caso.
As defesas de Varella e da TV Globo argumentaram nos autos do processo que a reportagem tinha cunho jornalístico e de interesse coletivo sendo que a entrevistada narrou os fatos (situação dos presidiários) "sem conhecimento das práticas delituosas cometidas, restando que jamais teria mencionado o nome da pessoa ou do autor, restando publicadas desculpas e esclarecimentos".
Dias depois da veiculação da entrevista, o médico Drauzio Varella emitiu nota em suas redes sociais em que disse que não perguntou os crimes cometidos pelas entrevistadas porque era médico, não juiz.
"Há mais de 30 anos, frequento presídios, onde trato da saúde de detentos e detentas. Em todos os lugares em que pratico a medicina, seja no meu consultório ou nas penitenciárias, não pergunto sobre o que meus pacientes possam ter feito de errado. Sigo essa conduta para que meu julgamento pessoal não me impeça de cumprir o juramento que fiz ao me tornar médico. No meu trabalho na televisão, sigo os mesmos princípios. No caso da reportagem veiculada pelo Fantástico, não perguntei nada a respeito dos delitos cometidos pelas entrevistas. Sou médico, não juiz."
Mas, para a juíza, a divulgação de explicações e pedidos de desculpas pelos réus não afastam os fatos. "Ao contrário, somente corroboram com o entendimento de que os requeridos reconheceram a negligência praticada e as consequências incidentes no autor [da ação]", escreveu a magistrada.
Procurados nesta quarta-feira (23) para comentar a sentença, a comunicação da TV Globo e o médico Drauzio Varella disseram à Folha de S.Paulo que não se manifestariam.