"O Caminho de Volta", recém-disponibilizado em streaming no Brasil, é um filme que faria pouco sentido se não tivesse Ben Affleck à frente. A narrativa é centrada num ex-jogador de basquete que luta contra o alcoolismo por meio do incentivo, como treinador, a um time de jovens promessas do esporte, como ele foi um dia. Todo o interesse do longa vem do fato de que ali está de alguma forma refletida a história de Affleck atrás das câmeras.
O ator de 47 anos também encampou seu próprio combate contra o vício em bebida - na medida em que se pode usar esse verbo no pretérito -, tendo passado três temporadas em clínicas de reabilitação, a última delas em 2018.
Tudo isso ele abriu em preciosa entrevista ao estilo jogo aberto com o New York Times, em fevereiro (o que parece pré-história no calendário do coronavírus). Ele atribui, por exemplo, o fim de seu casamento de 13 anos com a atriz Jennifer Garner às consequências do alcoolismo.
A peça jornalística serve como espécie de leitura complementar obrigatória para o filme: sem ela, não se alcança o que pode haver de atrativo no material filmado.
Isso porque, ainda que haja alguma inventividade no tom sombrio que Gavin O'Connor imprime ao filme, a história do técnico inspirador e de temperamento dificil já foi contada 1 milhão de vezes - e muito melhor.
O filme recai em quase todos os cacoetes do gênero, dificulta pelo clichê o interesse por qualquer uma das partidas de basquete e impossibilita, na prática, o envolvimento com a história de qualquer personagem além do principal.
Outrora galã de Hollywood, Affleck se exibe como um homem abatido desde os primeiros minutos de tela, acima do peso, de barba oleosa e uma cara fechada que se abre às vezes em grunhidos.
O vício do personagem surge em momentos de impacto, como a latinha de cerveja colocada na saboneteira em todo santo banho e as cenas em que o protagonista, anestesiado de beber, é carregado quase inerte para longe do balcão do bar, mantendo os olhos abertos só por acaso.
Há uma dose cavalar de humilhação em cena, e o mais intrigante é imaginar o quanto daquilo fez parte da vida do ator milionário –que admite ter usado o personagem para seu processo terapêutico–, num efeito curioso de duplicação da empatia.
Embora tire esse material poderoso da própria experiência, Affleck nunca foi bom ator e assim segue, ainda que tenha sido bem dirigido em performances eficientes por cineastas como David Fincher, em "Garota Exemplar", de 2014, e Gus Van Sant, em "Gênio Indomável", de 1997.
Também foi bem conduzido por si mesmo em "Argo", de 2012, thriller enérgico que passou a ser detestado após ganhar o Oscar, mas que representou a coroação de uma bem-sucedida incursão de Affleck na direção, na virada para os anos 2010.
De lá para cá, sua carreira atrás das câmeras esfriou, entre projetos ruins ("A Lei da Noite") e cancelados (o finado Batman que seria estrelado e dirigido por ele), o que tem relação, não é difícil concluir, com as lutas empreendidas pelo ator em sua vida pessoal.
É esse conto de bastidores que dá verniz a "O Caminho de Volta" como registro histórico, em que uma estrela de primeira grandeza exibe seus monstros sem maquiagem, sem glamour e sem qualquer expectativa de glória.
O CAMINHO DE VOLTA
Onde: disponível em plataformas como Google Play, AppleTV, Vivo Play, Looke e Now
Classificação: 16 anos
Elenco: Ben Affleck, Al Madrigal, Janina Gavankar, Michaela Watkins
Produção: EUA, 2020
Direção: Gavin O'Connor
Avaliação: regular