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Dois estudantes processaram

USP recebeu 204 recursos de candidatos que tiveram autodeclaração racial negada neste ano

Isabela Palhares - Folhapress
04 mar 2024 às 10:15

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- Reprodução/Facebook
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A USP (Universidade de São Paulo) recebeu só neste ano 204 recursos de candidatos que tiveram a autodeclaração racial negada ao concorrer às 2.067 vagas reservadas para pretos, pardos e indígenas que estudaram em escolas da rede pública.

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A Folha teve acesso a um documento da universidade com a lista dos candidatos que recorreram ao ter a autodeclaração negada. Segundo a reitoria da USP, dos 204 recursos apenas 51 foram deferidos, ou seja, os alunos tiveram a sua pertença racial aprovada.

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A universidade não informou se o número de requisições registradas neste ano é maior do que em 2023.
Conforme mostrou a Folha, ao menos dois estudantes processaram a universidade nesta semana por terem perdido as vagas nas quais foram aprovados após uma comissão decidir que eles não são considerados pardos.

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Um grupo formado por quase cem estudantes que perderam a vaga por terem tido a autodeclaração negada também se mobiliza para entrar com uma ação coletiva contra a universidade.


Em nota, a USP defendeu o modelo que adota para a política de cotas e para a avaliação dos candidatos. "O desenho da política tem revelado a sua eficácia, respondido às metas e mostrado que os critérios acordados não se confundem com um tribunal racial, mas com a efetividade de uma política pública fundamental para o Brasil."

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Uma das últimas universidades públicas do país a adotar cotas raciais, a USP reserva 50% das vagas dos cursos de graduação para alunos que estudaram na rede pública. Dessas vagas, 37,5% são destinadas para candidatos autodeclarados PPI (pretos, pardos e indígenas).


A USP também foi uma das últimas instituições a criar uma comissão de heteroidentificação. Essa comissão é formada por um grupo de pessoas que afere a autenticidade da autodeclaração racial dada pelos alunos que ingressam na universidade por meio do sistema de cotas.

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A análise é estritamente fenotípica, ou seja, considera apenas as características físicas do candidato, como a cor da pele, os cabelos e a forma da boca e do nariz.


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A USP estabeleceu que a primeira avaliação da autodeclaração é feita apenas por uma fotografia do rosto. Se essa primeira análise for rejeitada, os candidatos são convocados para uma oitiva presencial ou virtual.

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Neste ano, a USP definiu que candidatos selecionados pelo Provão Paulista e Enem teriam a autodeclaração racial aferida de forma virtual. Já os aprovados pela Fuvest, vestibular próprio da universidade, têm a averiguação feita presencialmente.


Os dois estudantes que processam a universidade foram aprovados pelo Provão Paulista e argumentam que foram prejudicados pela avaliação virtual. A defesa dos jovens alega que a diferença no processo é inconstitucional por não garantir isonomia aos candidatos.

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Como a avaliação leva em consideração apenas os aspectos físicos, eles alegam que foram prejudicados por não terem sido analisados de forma presencial.


"Não há dúvidas de que a oitiva virtual prejudica o candidato que tem sua autodeclaração não confirmada, pois presencialmente os membros da comissão têm a real possibilidade de averiguar os aspectos fenotípicos que o tornam apto à vaga reservada pelas cotas raciais", argumentou a ação impetrada por um dos estudantes.

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Glauco Dalalio do Livramento, 17, foi aprovado na primeira chamada para a Faculdade de Direito, uma das mais tradicionais e concorridas do país. Ex-aluno de escola pública, ele se autodeclarou pardo e disputou pelas vagas reservadas às cotas raciais.


A comissão, no entanto, decidiu que ele não é considerado pardo. Após a análise da fotografia e de uma avaliação virtual, a banca emitiu um parecer afirmando que "o candidato tem pele clara, boca e lábios afilados, cabelos lisos, não apresentando o conjunto de características fenotípicas de pessoa negra."


Questionada sobre o motivo de não garantir a avaliação presencial para todos os candidatos, a USP disse que "isso demandaria um calendário de bancas de heteroidentificação incompatível com o calendário dos vestibulares do Enem, das universidades paulistas e do Provão Paulista".


Também defendeu que a averiguação online ocorre para evitar prejuízos aos que moram fora de São Paulo. "Teríamos muitos candidatos viajando para São Paulo sem matrícula efetivada e sem uma resposta definitiva das bancas de heteroidentificação, o que acarretaria prejuízo para os candidatos", disse em nota.


A universidade afirmou ainda que o formato diferente utilizado para averiguar a autodeclaração dos candidatos não fere a isonomia do processo. "Nas versões virtuais, a banca de heteroidentificação toma todo o cuidado para que a visualização das características fenotípicas seja feita de maneira adequada, pedindo, por exemplo, para que os candidatos mudem a posição do corpo e procurem lugares com melhor iluminação. Tudo para garantir a isonomia da oitiva", disse em nota.


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COMO É A ANÁLISE DA UNESP E NA UNICAMP?


Nas outras duas universidades estaduais paulistas, Unesp e Unicamp, o processo de averiguação das comissões de heteroidentificação é o mesmo para todos os candidatos independentemente do processo seletivo do qual participaram.


Na Unesp, um estudante só tem sua autodeclaração rejeitada após uma análise presencial.
Já na Unicamp, desde a pandemia, o processo de todos os candidatos é feito a distância, com análise de fotografia e, se necessário, com avaliação por vídeo.


As bancas de heteroidentificação são uma demanda do movimento negro e recomendadas pelos órgãos de controle, como o Ministério Público, para coibir fraudes na política de cotas. Das três universidades paulistas, a USP foi a última a formar uma comissão desse tipo –e só fez após a Defensoria Pública ingressar com uma ação judicial.


A Unesp e a Unicamp informaram que as comissões fizeram com que os casos de fraude diminuíssem nos processos seletivos. Nas duas instituições, cerca de 90% dos candidatos avaliados têm a autodeclaração validada.


A Folha questionou a USP sobre quantos candidatos tiveram a autodeclaração negada no ano passado, mas a universidade não respondeu.

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