As universidades privadas do país ampliaram seus próprios programas de financiamento estudantil com o encolhimento do Fies, a partir de 2015.
Mesmo que a maior parte dessas iniciativas não tenha um recorte explicitamente racial, elas beneficiaram mais alunos negros do que brancos, o que contribuiu para que o desequilíbrio no ensino superior entre os dois grupos caísse nos últimos cinco anos.
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Os dados fazem parte de estudo dos economistas Sergio Firpo, Michael França e Alysson Portella, do Insper, feito com apoio do programa Parceiros da Educação.
O trabalho mostra também que, apesar da contribuição de iniciativas como auxílios e bolsas, ainda há espaço para uma indução maior do equilíbrio racial no financiamento para o ensino superior privado.
Firpo, França e Portella são os criadores do Ifer (Índice Folha de Equilíbrio Racial), que mede a exclusão que pretos e pardos sofrem em estratos privilegiados.
No componente educacional do índice, medido pela conclusão do ensino superior, a desigualdade no país ficou estagnada em 2020, após sete anos consecutivos de queda.
Caso essa estabilidade se confirme, o ensino superior privado será essencial para que o país retorne a um rumo de maior equidade.
Isso porque, embora as cotas sejam a política com maior simbolismo no enfrentamento da desigualdade racial, elas são insuficientes para atacar o problema em um país onde instituições particulares respondem por cerca de três em cada quatro matrículas.
Na última década, elas cresceram apoiadas fortemente no financiamento estudantil, mostra o estudo.
A proporção de alunos dessas universidades com algum tipo de financiamento saltou de cerca de 20% em 2009 para quase 45% em 2015 para as privadas com fins lucrativos e para 30% nas sem fins lucrativos, mostram os dados do censo da educação superior.
O principal responsável por esse aumento foi inicialmente o Fies. Em seu auge, em 2014, ele atendia mais de um quinto dos ingressantes no ensino superior privado.
Com a crise econômica, no entanto, erros no desenho do programa ficaram evidentes, e a inadimplência explodiu. De 2015 em diante, o Fies encolheu substancialmente.
Em 2019, o programa financiava a matrícula de apenas 66,6 mil ingressantes em faculdades no país, quase meio milhão a menos do que em 2014.
Foi no vácuo desse enxugamento do Fies que ganharam espaço os programas próprios das universidades. Com eles, o percentual de alunos com algum financiamento manteve relativa estabilidade até 2019, apontam os economistas do Insper.
Embora sem um recorte racial na maioria das vezes, essas iniciativas passaram a atingir proporcionalmente mais estudantes pretos e pardos do que brancos.
Em 2009, 9,8% dos alunos brancos recebiam alguma bolsa não reembolsável (que não teriam que pagar de volta) da universidade, ante 9,4% dos negros. Em 2019, essas proporções foram a 25,3% e 28,1%, respectivamente.
Os autores do estudo fazem a ressalva, porém, de que não se sabe exatamente quanto das mensalidades essas bolsas cobrem.
Os auxílios também tendem a ser menos numerosos em cursos mais concorridos, diz Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, entidade que representa as mantenedoras do ensino superior no país.
Isso porque a maioria das instituições privadas não tem muito dinheiro para gastar com programas próprios. Com isso, quando têm alunos pagantes em número suficiente, acabam por não abrir vagas gratuitas.
Uma exceção é a graduação em direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas), em São Paulo.
Mesmo com uma concorrência maior que 20 candidatos por vaga, o curso oferece bolsas que têm a autodeclaração racial como um dos critérios de escolha do beneficiário.
O objetivo é tanto equalizar oportunidades como aumentar a excelência do ensino, trazendo alunos muito bons que não poderiam pagar para estar ali e ampliando a diversidade na sala de aula, diz Oscar Vilhena Vieira, diretor da escola de direito da instituição e colunista da Folha.
Stella Ferreira dos Santos, 22, foi uma das beneficiárias dessa política -e de outras.
"Sou bolsista desde bebê", diz. Ela foi cuidada gratuitamente em um berçário no qual sua mãe trabalhava e, em boa parte do ensino fundamental e médio, teve bolsa integral em uma escola particular, condição que manteve na FGV.
"Sou resultado dessa série de boas oportunidades que me foram ofertadas", diz Stella.
A integração na faculdade não se deu sem tropeços. Em dois episódios pontuais e graves de racismo com outros alunos, ela conta que chegou a pensar: "será que serei a próxima?"
Mas o saldo é mais que positivo. "Fiz tudo o que você puder imaginar. Joguei bola, fui presidente do centro acadêmico, participei do cursinho popular, fui pra viagens, festas, fiz muitas amizades", diz. "Sonho muito alto e também vejo que alarguei os horizontes das pessoas à minha volta."
Com um fundo patrimonial que ajuda a bancar não só a mensalidade como os gastos para o aluno permanecer em um curso de período integral nos primeiros três anos, a FGV não tem as mesmas limitações da maioria das faculdades, especialmente em um cenário de crise econômica.
Por isso, representantes do setor insistem na necessidade de uma maior participação do financiamento público. "Se o governo tem tanto medo da inadimplência, poderia abrir linhas de financiamento para as instituições criarem programas próprios de crédito estudantil, em que elas assumiriam os riscos", diz Capelato.
Os economistas do Insper, por sua vez, defendem que o financiamento público funcione como um indutor de equidade.
Uma iniciativa possível seria condicionar o acesso das universidades ao Fies e ao Prouni à garantia do equilíbrio racial em seus cursos, de acordo com a composição racial do município em que elas atuam.