Uma pesquisa divulgada na 24ª Jornada Nacional de Imunizações revela que 16% dos brasileiros consideram desnecessário imunizar os filhos contra doenças que já não circulam mais no país. O dado consta do Inquérito de Cobertura Vacinal das crianças nascidas em 2017 e 2018, para o qual foram mais de 38 mil entrevistas.
Embora seja um número aparentemente pequeno em relação à amostra, a revelação gera preocupação entre especialistas, já que o Brasil está deixando de cumprir as metas de coberturas vacinais e tem queda nos números de vacinação desde 2015. Sem cumprir metas, aumentam as chances de o país voltar a registrar doenças que, até então, eram consideradas eliminadas ou controladas, como a poliomielite.
Como não registra casos da poliomielite desde 1989 em território nacional, muitos pensam, equivocadamente, que não é mais necessário vacinar-se contra essa doença. Entretanto, o que ocorre é que, quanto menos pessoas se vacinam, mais aumenta o risco de a doença voltar a se desenvolver no país.
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Foi o caso do sarampo, por exemplo. O Brasil recebeu o certificado de eliminação desta doença em 2016 e, três anos depois, com baixa cobertura vacinal, perdeu-se esse reconhecimento por não conseguir controlar um surto de sarampo, que se espalhou por diversos estados.
Dificuldades
A pesquisa apontou também que um pequeno número de pessoas (aproximadamente 3% dos entrevistados) resolveu não levar os filhos para receber uma ou mais doses. Desse total, 24,5% informaram que não o fizeram por causa da pandemia de Covid-19, ou por medo da reação às vacinas (24,4%).
Outros disseram ter tentado levar os filhos para tomar vacinas, mas tiveram dificuldades para fazê-lo (7,6% dos entrevistados). A principal dificuldade apontada foi o fato de o posto de saúde ficar longe da casa ou do local de trabalho (por 21% dos que disseram ter tido dificuldades), seguido por falta de tempo (16,6%), horário inadequado de funcionamento do posto (14,1%) e até falta de meio de transporte para chegar ao local de vacinação (12%).
“No estudo, observamos que existem três aspectos principais: o primeiro é a não necessidade de vacinar contra doenças que se acredita que não existam mais, mas existem. O segundo aspecto é o medo de reações graves e o terceiro, dificuldade de acesso e da infraestrutura das unidades. Esse conjunto faz com que tenhamos cobertura vacinal insuficiente para o controle das doenças”, pontuou José Cassio de Moraes, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e coordenador do inquérito.
“A consequência da hesitação vacinal, que é devida a múltiplos aspectos, é fazer com que a cobertura seja baixa. Isso permite o retorno de doenças já eliminadas como a poliomielite; [gera] dificuldades para eliminação do sarampo, que já tivemos; e aumento de casos de coqueluche, difteria e outras doenças imunodeprimíveis”, comentou.
“O Brasil teve um sucesso importante nesse programa [nacional de imunizações]. Foi considerado um programa líder no mundo, tanto na cobertura quanto no número de vacinas incluídas, mas hoje corremos o risco de cair quase para o último lugar”, lamentou.
Para o especialista, é uma situação preocupante. “Até 2015, conseguíamos atingir nível de cobertura muito bom. Temos boa infraestrutura: quase 38 mil salas de vacinas, conseguimos aplicar facilmente 2 milhões de doses ao dia, como foi mostrado durante a pandemia de covid-19, mas precisamos fazer uma boa comunicação para a população. Não temos uma comunicação adequada”, disse. “Podemos regressar na ocorrência de doenças e ter hospitais cheios com um quadro de doenças imunopreveníveis”.
Os números também preocupam a representante da Opas (Organização Pan–Americana da Saúde), Lely Guzman. “Há muita desinformação. E agora, com as redes sociais, a desinformação chega muito mais rápida. Precisamos estar à frente para identificar o que está gerando a desinformação, onde se estão gerando essas preocupações, para podermos evidenciar a confiança e segurança das vacinas”, frisou.
Segundo a representante, nos dois últimos anos de pandemia, a cobertura dos programas de rotina vacinal caiu muito, não só no Brasil, mas em toda a região. “E a Organização Mundial da Saúde [OMS]está fazendo um chamado porque, em todas as regiões, a queda foi muito importante, o que coloca em risco a volta de doenças que já estavam controladas, que estavam em processo de eliminação e doenças que ainda estão erradicadas.”
A especialista defendeu a necessidade de sensibilizar as comunidades, as autoridades, os meios de comunicação, as universidades, a sociedade, para que se volte a acreditar na vacina. “Temos que unir esforços”, disse.
O pesquisador José Cassio de Moraes aponta ainda a união de esforços como uma estratégia importante para a retomada de níveis elevados de imunização. “Tem que haver união de esforços entre os três níveis de governo: federal, estadual e municipal. Uma comunicação boa entre esses três níveis e a população e um trabalho junto aos profissionais de saúde para capacitá-los para as vacinas”.