Música pop

Tristeza não tem fim

18 abr 2003 às 17:42

No rol das cantoras alternativas que adoram celebrar a fossa (leia-se PJ Harvey, Beth Gibbons), a compositora norte-americana Chan Marshall sempre foi considerada meio café com leite. Encarados como "indie demais" por alguns, seus discos pecavam pelas letras um tanto imaturas, que pareciam enxergar relacionamentos amorosos sob a ótica dos personagens do seriado "Dawson’s Creek", e por uma certa monotonia melódica.

Felizmente, Chan vem evoluindo disco a disco, e após semear pérolas entre momentos menos inspirados no bom Moon Pix (de 1998, seu penúltimo disco de inéditas), ela concebeu seu melhor trabalho – You Are Free, sexto lançamento da cantora sob a alcunha Cat Power (Matador Records, importado). Musicalmente, estas 14 novas faixas repetem as receitas dos álbuns anteriores: canções minimalistas, muitas vezes restritas apenas a guitarras dedilhadas e pianos, com vocais sussurrados.


Mas as melodias atingem um salto de qualidade, assim como as letras, onde o universo tímido de Chan parece pela primeira vez fazer pleno sentido. Quem esteve no show dela em Curitiba, há dois anos, entende – a moça tem cacoetes de João Gilberto, não começa a tocar nada antes que a platéia se cale totalmente, e seus olhos permanecem fechados a apresentação inteira. Essa timidez já proporcionou momentos constrangedores, como as vezes em que Chan se retirou do palco às lágrimas, após vaias impiedosas do público.


You Are Free não é exatamente um disco maduro, mas parece ser um passo importante nessa direção. A abertura, "I Don’t Blame You", é uma balada ao piano em homenagem a Kurt Cobain: "só porque eles sabem o seu nome/ não quer dizer que eles sabem de onde você veio", aponta a letra, que versa sobre os percalços da fama. Outros nomes famosos assombram o CD, como Dave Grohl, do Foo Fighters, que toca bateria em duas faixas, e Eddie Vedder, do Pearl Jam, que faz vocais de apoio em "Evolution".


A ótima "He War" é um raro momento pop, com ritmo agitado e guitarrinhas indie, assim como "Free", bobagenzinha dançante que mostra que Chan acerta mais quando aceita ser miserável. É o que ela mostra nas delicadas "Good Woman", "Fool" e na quase country "Half Of You", mínimas e com desafinos nas interpretações que dão pontadas no coração. Cada dedilhado de cada nota parece ter sido concebido com a intenção de machucar.


Chan parte nitidamente do folk, sob as bênçãos de Bob Dylan e Joni Mitchell, especialmente, então o que distingue mesmo as canções são as letras. Em versos rápidos e precisos, ela constrói personagens introspectivos à beira da destruição, que, embora muitas vezes não consigam fugir do clichê pobre-menina-rica, são convincentes. "O nome dele era Charles/ ele disse que estava apaixonado por mim/ nós tínhamos quatorze anos/ aí eu tive que me mudar/ e ele começou a fumar crack/ e ele começou a vender seu traseiro", aponta "Names".


You Are Free é um diário de desorientação ante a tristeza, ainda que não caia na fossa total. Parece um prenúncio de um disco clássico – falta pouco para Cat Power entrar para a história.


LANÇAMENTOS


Renato Russo – Presente (EMI)
Tomando-se os exemplos de Jimi Hendrix, Kurt Cobain e Janis Joplin, que tiveram mais discos lançados com seus nomes depois que bateram as botas do que em vida, é possível dizer que a necrofilia discográfica é patologia gerada no exterior, mas que encontrou berço seguro em solo nacional. A cura, como indica este Presente, parece estar longe de ser encontrada. Doida por um troco, a EMI vasculhou fitas velhas no apartamento de Renato Russo e não conseguiu achar nenhuma música inédita. O jeito foi envernizar com arranjos de luxo composições que o vocalista havia assinado ou cantado junto com 14 Bis ("Mais Uma Vez"), Leila Pinheiro ("Hoje"), Erasmo Carlos ("A Carta") ou Paulo Ricardo ("A Cruz e a Espada"). Pena que todas se assentem sobre a fase decadente de Russo, que no final da vida achava geniais versos como "tem gente que não sabe amar/ (...) quem acredita sempre alcança". Nenhum fã merece isso.
Para quem gosta de: Legião Urbana, Renato Russo e Legião Urbana.


Ikara Colt – Chat And Business (Sum)


Quarteto inglês que arriscou entrar no ano passado na onda do "novo rock", o Ikara Colt tem seu primeiro álbum lançado no Brasil. O som tenta reproduzir a urgência de petardos de outro continente, como Trail Of Dead e At The Drive-In, mas a gravação tira um pouco da contundência das composições e as canções também não são lá uma Brastemp – além de serem muito parecidas entre si. Salvam-se a ótima "Sink Venice", de refrão realmente memorável, e a genial embalagem, que traz adesivos para serem colados nos espaços em branco da capa.
Para quem gosta: Sonic Youth, Trail Of Dead, The Fall.


Tom Bloch – Tom Bloch (Trama)

Existe uma certa vertente de jornalistas especializados em música pop que adora recusar os hypes vendidos pela imprensa inglesa (Strokes, White Stripes) para alardear as qualidades do rock gaúcho, mas o pop dos pampas também é superestimado. Na ninhada de terninhos, letras engraçadinhas, entrevistas irônicas e sonzinho chinfrim, o grupo porto-alegrense Tom Bloch, liderado por Pedro Veríssimo (filho de Luís Fernando), chega a ser um bálsamo. As letras são sérias sem sofrer de pretensão, e os arranjos reelaboram bambas estrangeiros do rock contemporâneo (Radiohead, Weezer) sem parecer imitação. Boas composições próprias, como "Carbonos Perfeitos" e "Difícil Reconhecer", mantêm distâncias iguais entre o pop radiofônico e a experimentação (sem cabecice). E ninguém tira o trono da versão trip hop de "Fala", dos Secos & Molhados.
Para quem gosta de: Pato Fu, Los Hermanos.


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