Música pop

Stephen Malkmus contra si próprio

11 abr 2003 às 10:59

Stephen Malkmus, ex-vocalista do Pavement, topou a parada da carreira-solo há dois anos, uma nova fase que sempre é delicada. Na sua seara, o rock alternativo, luminares como Lou Reed e Iggy Pop realizaram com competência a transição – sozinhos, se mostraram tão criativos e influentes quanto em suas finadas bandas (respectivamente, Velvet Underground e Stooges).

Mas Reed e Pop não tiveram que lidar com expectativa alguma, porque seus grupos eram simplesmente ignorados à época e só seriam reconhecidos anos depois.


Mais recentemente, Bob Mould (ex-Hüsker Dü) e Frank Black (ex-Pixies) naufragaram ao alçar vôos solitários. A exemplo de Malkmus, tinham contra si o peso de suas ex-bandas serem objetos de adoração da patota indie.


O vocalista lançou em 2001 um regular álbum solo, que levava seu nome e que foi até apreciado pelos fãs, mais por alguma benevolência do que pelas qualidades do trabalho.


Agora, dando crédito a sua banda de apoio, os Jicks, Malkmus retorna com "Pig Lib" (Matador Records, importado. A edição nacional está na gaveta de lançamentos da Trama). Seu dever de agradar se torna ainda mais difícil porque quase simultaneamente chegam às prateleiras gringas dois lançamentos do Pavement, "Slanted And Enchanted – Luxe And Reduxe" e o DVD "Slow Century".


Os trabalhos, que rememoram a notável trajetória de cinco discos do quinteto de Stockton, Califórnia, relembram o quanto a banda era fenomenal, o que se choca diretamente contra a performance ordinária das onze faixas de "Pig Lib". Não bastasse a (árdua) tarefa de ter que bisar o brilho do passado, Malkmus ainda se saiu com um trabalho muito fraco. Assim não dá.


O repertório se prende às fórmulas do Pavement – vocais quase falados, solos de guitarra picaretas, melodias animadinhas entremeadas por introspecção, letras sem sentido - , mas de forma muito burocrática.


Chatices como "Witch Mountain Bridge", "Dark Wave" e "Sheets" só mancham o nome do moço. Malkmus vai bem nas inspiradas "(Do Not Feed The) Oyster" e "Animal Midnight", mas nada que um lado B do Pavement não resolvesse.


"Luxe And Reduxe", lançado no final do ano passado no exterior, por sua vez, é o melhor produto com o nome de Malkmus lançado nos últimos anos. O disco duplo é uma edição comemorativa dos dez anos do álbum de estréia do Pavement, "Slanted And Enchanted", gravado em 16 canais e considerado a obra prima do lo-fi (ou baixa fidelidade. Em resumo, é rock mal gravado com apelo cult).


Às 14 faixas do original, foram acrescidas 34 músicas, das quais 23 eram gravações inéditas em lançamentos oficiais. Entre as raridades, constam sobras das sessões de "Slanted", duas performances no programa do DJ John Peel, da BBC, sobras das gravações do EP "Watery, Domestic" (aqui incluído na íntegra), também de 1992, mais um show da banda na Brixton Academy, em Londres, em 14 de dezembro daquele ano, abrindo para o Sonic Youth.


O disco em si é essencial para se entender o rock dos anos 90. Os riffs de Malkmus e de Scott Kannberg, ainda mais ruidosos devido à precariedade da gravação, influenciaram de Blur a Radiohead, para não citar o estrago que fizeram no mundo indie.


No bolo de gravações raras, destaque para a quase hard rock "Circa 1762", a melancólica "Secret Knowledge Of Backroads" e a psicótica "So Stark (You’re A Skyscraper)", onde uma condução sonolenta é subitamente interrompida por guinchos alucinados. No show em Londres, "Baby Yeah" (nunca registrada em álbuns da banda) começa com dedilhados sutis até crescer rumo ao insano refrão, onde o título da música é berrado de forma apaixonada.


Se "Luxe And Reduxe" se resume à inspirada fase inicial da banda, o DVD "Slow Century" perpassa todos os dez anos de existência do Pavement. O lançamento é uma cobrança antiga dos fãs, já que estava previsto para sair em 1999, com o grupo ainda na ativa. Impossível evitar o clichê, a espera valeu a pena.


O DVD traz dois discos, que apresentam um documentário de 90 minutos sobre a história do conjunto assinado por Lance Bangs, todos os 13 clipes do Pavement (mais versões alternativas de três deles), um show completo de 19 músicas em Seattle, em 1999, mais sete músicas de uma apresentação em Manchester, também em 99, na véspera do histórico show em Londres, quando Malkmus anunciou no palco o fim da banda.


O documentário é rico em garimpagem e traz fotos raras, capas dos primeiros vinis da banda e raras performances, registradas em VHS. Num show em 1991, a banda puxa os acordes de "In The Mouth A Desert" e a bateria não entra.


O responsável pelas baquetas, Gary Young, entra no palco assustado, vindo do backstage, e percebe a mancada. Senta no banquinho e a banda tenta entrar de novo. Young dá duas pancadas nos tom-tons antes de cair de bêbado. Não é difícil entender porque ele seria expulso meses depois.


O documentário também tem a qualidade de ser rico em inserções musicais, já que geralmente vídeos de música dão um gostinho das canções para cortá-las em seguida. Em meio a muitas curiosidades, há hilariantes relatos, como a chuva de lama e pedras que a banda teve que encarar no Lollapalooza de 1995, ou a surpresa de Malkmus em 1989, quando, viajando pela Europa, ele ouviu a primeira fita demo do grupo tocando numa loja de discos.


Para os fãs, dois momentos em especial podem dar nó na garganta: em 1999, pouco antes do fim, o Pavement ensaia "Discretion Grove", canção que entraria no primeiro disco solo do vocalista; e o encerramento, com as últimas três músicas do derradeiro show, que é finalizado com a inscrição "Good Night To The Rock’n Roll Era" (verso de "Filmore Jive").


No fim, fazendo comparações entre os dois lançamentos e "Pig Lib", percebe-se porque Malkmus deu fim à banda. No show em Seattle do DVD, o vocalista se irrita durante a execução de "Killing Moon", do Echo & The Bunnymen. Levanta a cabeça para o alto e tapa os olhos com o indicador e o polegar. Em "1% Of One", música do novo disco solo, ele estende a canção até insuportáveis nove minutos, por meio de intermináveis solos de guitarra – que, quando muito longos, costumam ser sempre mais divertidos para quem os executa do que para quem os ouve.

Quem esteve em qualquer um dos shows de Malkmus no Brasil no ano passado percebeu essa mesma felicidade. É por aí. Ele deu fim ao Pavement porque não achava mais graça. Hoje em dia, Malkmus está mais solto e leve. Pena que pouca gente esteja se divertindo com ele.


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