No segundo semestre de 2002, Curitiba recebeu o título de Capital Americana da Cultura, conferido por uma ONG de mesmo nome sediada em Barcelona. A capital paranaense divide a honra este ano com a Cidade do Panamá, o que lhe garantiria uma visibilidade para atrair investimentos nas áreas de cultura e turismo. Para celebrar a data, a Fundação Cultural de Curitiba anunciou ainda no ano passado a realização do Curitiba Pop Festival.
Não se sabe em qual ponto do processo ou sob qual influência o evento adquiriu um jeitão indie, mas os adeptos de outros estilos que reclamem. Mal o festival foi anunciado, a organização soltou que estava negociando apresentações de gigantes como Radiohead, White Stripes e Wilco. A confusão que veio a seguir é conhecida, e quem for à Ópera de Arame nos dias 2 e 3 de maio, quando o Curitiba Pop Festival finalmente abre as portas, vai ter que se contentar com gigantinhos: Breeders, Stereo Total, Nação Zumbi, Otto, num total de 20 atrações, das quais 14 são brasileiras sem vínculo com nenhuma grande gravadora.
Pode soar frustrante para quem esperava um mini-Rock In Rio, como prometia ser num primeiro momento, mas não deixa de ser um festival alternativo de primeira. Além disso, é importante lembrar que o Paraná nunca teve um evento próprio dessa envergadura, que, se desenvolvido de forma adequada, pode inserir as araucárias no circuito dos grandes pequenos festivais do rock brasileiro.
Primeiro dia – Sexta-feira, dia 2 de maio
Indie, pero no mucho. A primeira noite do Curitiba Pop Festival é a que traz o maior número de atrações gringas (duas) e talvez o nome mais conhecido do evento (Otto), mas acaba sendo a menos interessante. O balaio de atrações é eclético e abarca desde new wave e música eletrônica a indie rock típico e pop sisudo.
Abrem a maratona o paulista Vurla, pop rock cabeça com paixão pelo improviso, e o local Bad Folks, que substitui o Svetlana. A mineira Valv, terceiro nome, foi elogiada até por Fernanda Takai, do Pato Fu, mas não se deixe enganar. O grupo originado dos restos do Vellocet faz pop na cartilha shoegazer, com vocais quase inaudíveis e guitarras que vão da placidez à distorção serra-elétrica. Derivativo, parece chato em disco, pior ao vivo.
Os bandeirantes voltam à fita com o Suíte Number Five, de Campinas, meca das bandas indie que cantam em inglês e idolatram Jesus & Mary Chain. Os curitibanos do E.S.S., que assinou com o selo carioca Midsummer Madness, vão na mesma onda cabisbaixa e brincam de eletrônica e indie rock.
No meio de tanta gente tímida, os curitibanos correm o sério risco de gostar da atração seguinte, o Monokini, de São Paulo. O quarteto de Guarulhos soltou um elogiado disco independente em 2002, "Mondo Topless" (Bizarre Records), e junta bossa nova – incluindo os vocais tímidos de Fabiana Karpinski – com rock alternativo. Você já viu isso antes.
Antes dos bambas da noite, ainda vem Tara Code, de Recife, que faz acid jazz com apelo moderninho e sotaque MPB (e que incrementa seus shows com incenso e velas, veja só). Aí, depois de perguntar muito "quem?" na hora em que uma banda nova sobe ao palco, o público talvez reconheça Otto. O artista recifense, ex-mundo livre s.a., seria um completo estranho num evento indie, mas como não vende discos, entra no espírito. Seus álbuns, "Samba Pra Burro" (1998) e "Condom Black" (2001), adicionam música eletrônica a batuque brasileiro, mas a MPB falou mais grosso no último trabalho. Tem quem gosta.
O Rubinsteiner, projeto do músico francês Fred Landier, teve disco lançado no ano passado no Brasil pela BMG, mas nem o mais ávido fã de novidades deve conhecer o rapaz. É outro representante da linha "colagem", que sobrepõe jazz, eletrônica e hip hop. A conferir. A alemã Stereo Total fecha a noite, com seu popzinho alternativo metido a esperto, com aquela ironia bocó de quem adora new wave, electro e melodias doces. Está pegando alguns críticos por aí – mas nesta praia prefira o Le Tigre.
Segundo dia – Sábado, dia 3 de maio
Aleluia. Depois de muita gente que mal encara a platéia na noite anterior, o Curitiba Pop Festival é inundado por bandas que adoram uma pauleira. A tarde começa sem tanto barulho, com o Criaturas, de Curitiba, que em relação à boa parte das atrações do dia anterior tem a vantagem de cantar em português. Tocam pop com influências dos anos 60, com harmonias vocais e guitarras limpas.
O Bidê Ou Balde, que substituiu o desistente Grenade, é o representante máximo do hypado novo rock gaúcho. Seu trabalho mais recente, "Outubro Ou Nada" (que representou sua volta à independência), ainda traz muito do power pop influenciado por Weezer e Jovem Guarda que tornou o grupo famoso, mas tenta reciclar orquestrações e loucuras de estúdio à Flaming Lips, a banda favorita de seus integrantes no último par de anos. São superestimados, mas têm qualidades.
O Faichecleres, adeptos dos terninhos e do som inglês da segunda metade dos anos 60 (The Who, Rolling Stones), comparecem para contribuir na overdose de cor local que, diga-se, abriu pouco ou nenhum espaço para que bandas do resto do estado se apresentassem no festival. Aí, o segundo dia abre de forma efetiva, com a gaúcha Walverdes, que toca pop rock pesado e consistente, e os curitibanos Catalépticos, uma das melhores bandas de psichobilly do mundo (já chegaram a fazer shows na Europa).
Mais "leite-quente" na seqüência, com os veteranos do Primal fazendo a conhecida mistura de metal com hardcore, antes do grande MQN, de Goiânia. O quinteto liderado por Fabrício Nobre, sócio do selo independente Monstro Discos (a Sub Pop brasileira), tem o show mais incendiário do underground brasileiro, com saudáveis influências garageiras, que vão de Mudhoney a Queens Of The Stone Age. Quem for ao festival deve sair com uma cópia de "Hellburst", disco de estréia da banda, debaixo do braço.
Quando a gaúcha Cachorro Grande subir ao palco, tem gente que vai achar que o Faichecleres voltou, pois as duas bandas seguem o mesmo princípio ativo. O quarteto dos pampas gravou uma das melhores músicas do ano passado, "Sexperience", mas infelizmente o restante de seu disco independente não mantém o padrão. Rock engraçadinho doido pra ser selvagem, rende no palco alguns gritos, palavrões, perdigotos e pedestais de microfone atirados para o alto, mas é só. Deve ser o suficiente para algum jornalista mais desavisado sair carimbando: "Grande show".
A Nação Zumbi aquece para as Breeders, mas é certamente a atração principal do evento. O grupo pernambucano segue azeitando disco a disco sua mistura de sons estrangeiros contemporâneos e música nordestina tradicional, elementos que nas mãos da banda liderada por Lúcio Maia parecem integrados de forma natural, ao contrário de tentativas semelhantes da freguesia. Quem ainda vai a festival para dançar, essa heresia, não deve encontrar problemas.
Por fim, até Kim Deal (guitarrista e vocalista) deve estranhar a responsabilidade que foi dada às Breeders, de fechar um festival de certa repercussão. Você vai ler em todas as matérias, então é bom ir adiantando: a moça era baixista dos Pixies, a mais influente banda de rock do mundo nos últimos 25 anos. À frente das Breeders, Kim lançou dois ótimos discos antes de uma prolongada saída de cena, "Pod" (1990) e "Last Splash" (1993), superiores a qualquer trabalho solo do ex-líder dos Pixies, Frank Black. Retornou menos inspirada em 2002, com o fraco "Title TK". Mas velharias deliciosas como "Divine Hammer", "Fortunately Gone" e "Cannonball" garantem o sacode.
Serviço: Os shows na Ópera de Arame começam nos dois dias às 15 horas. Em Curitiba, ingressos antecipados estão à venda no Memorial de Curitiba, no Largo da Ordem, na Ópera de Arame (rua João Gava, s/n, Bairro Pilarzinho), e na Barulho Records (Shopping Center Omar, Piso Comendador Araújo, Centro). O preço é de R$25,00 para um dia do evento e R$ 40,00 para dois dias. Em Londrina, a Madame X Produções está organizando uma excursão para o segundo dia do festival. Para pessoas de outras cidades, ingressos antecipados estão sendo vendidos na internet no site oficial do evento.