Música pop

Melhorando os gaúchos

17 set 2004 às 11:00

Nervoso tem currículo. Como baterista, ele tocou em quatro das bandas mais importantes da história recente do underground carioca: Beach Lizards, Acabou La Tequila, Matanza e Autoramas. No ano passado, com o promissor EP "Personalidade", deu os primeiros passos como cantor e compositor. A segunda cartada é o álbum "Saudade das Minhas Lembranças", que acaba de ser lançado pelo selo independente Midsummer Madness.

As 14 faixas não renegam a esquisitice do EP – que continha influências de Tom Waits, música eletrônica e climas sonoros: havia até faixa em homenagem a Liz Fraser, dos Cocteau Twins ("Elizabeth") -, mas ao mesmo tempo dão arte final aos esboços de Jovem Guarda que Nervoso apresentara, num som mais direto, assobiável, pop em estado bruto. O repertório reaproveita quatro das sete faixas de "Personalidade", justamente as melhores daquele disco: "Mais Justo", "Clube da Luta", "O Bom Veneno" (que os Autoramas gravaram no álbum "Nada Pode Parar os Autoramas") e "A Visita".


Pelas letras de amor derramado e pelos vocais galhofeiros, Nervoso e sua banda se aproximam das apropriações da Jovem Guarda que são a razão de ser das carreiras de Wander Wildner, Frank Jorge e outros picaretas do rock gaúcho. Mas as melodias e os arranjos fazem com que "Saudade das Minhas Lembranças" supere de longe os nomes citados: Jorge nunca vai conseguir escrever uma maravilha como "Não Quero Dar Explicação", de frases iluminadas de guitarra e propulsão indie da metade para a frente.


Nervoso também chega perto da fórmula do Los Hermanos, ao mesclar rock e sambinhas ("A Visita"), ou ao adotar levadas que ora lembram as faixas cantadas por Rodrigo Amarante (o clima animado de "O Mala"), ora as composições de Marcelo Camelo ("Mais Justo", que por ironia traz participação de Amarante, é prima de "Veja Bem Meu Bem"). Quando as reminiscências de Jovem Guarda e dos Hermanos se fundem, sai "Clube da Luta", a melhor canção do disco – de refrão ótimo: "eu luto para não ficar pior".


É claro que quem estabelece alguma relação (nem que seja apenas sonora) com os chatos do rock gaúcho vai deixar de falhar em algum momento: "Já Desmanchei Minha Relação", apesar de ser o hit do disco, não tem nada a oferecer além da pinta engraçadinha, e a boba "Maus Limites" poderia estar no último disco do zé-ninguém Wander Wildner. Mas escorregadelas são quase sempre inevitáveis em álbuns de estréia.


Feitas as contas, "Saudade das Minhas Lembranças" é por enquanto o destaque maior num ano de poucas perspectivas para o rock brasileiro – ou o leitor conseguiu realmente se empolgar com alguma coisa nacional lançada em 2004? Considerando-se que a possibilidade do Pato Fu lançar um disco até 31 de dezembro é remota, quase dá para cravar seco em "Saudade..." como o melhor álbum do ano dentro do 4 por 4 tupiniquim.


LANÇAMENTOS


McLusky – "The Difference Between You And Me Is That I’m Not On Fire" (Too Pure – importado)


O McLusky tinha tudo para ser uma banda legal. Este trio galês tem letras de excelente humor negro, gosta tanto de barulho quanto de melodias redondas, tem a melhor das referências roqueiras (os Pixies da fase "Surfer Rosa")... Mas sempre tem um esporro em excesso ou uma composição insossa que afasta a banda da perfeição. Este terceiro álbum do McLusky é o mais fraco da curta carreira do trio. A produção abrasiva de Steve Albini é sempre confiável, mas faltaram canções: tirando a ótima "She Will Only Bring You Happiness", o resto é gritaria e esquisitice estéril. Se o McLusky fosse tão empolgante quanto os títulos de suas músicas ("Your Children Are Waiting For You To Die", "Without MSG I Am Nothing"), haveria salvação.
Para quem gosta de: Pixies, Hundred Reasons, Queens Of The Stone Age.


Radiohead – "Com Lag (2plus2isfive)" (Parlophone – importado)

Este disquinho de 10 faixas compila os lados B dos singles promocionais de "Hail To The Thief" (álbum de 2003) lançados na Inglaterra e foi pensado originalmente para ser vendido apenas no Japão, onde o Radiohead fez turnê no primeiro semestre. Entretanto, as vendas foram surpreendentes e as representantes da EMI começaram a importar cópias para serem comercializadas em vários países – chegou a vez do mercado brasileiro. "Com Lag" é como toda coleção de sobras: tem bobagens (os remixes de "Scatterbrain" e "Myxomatosis", e as instrumentais "Where Bluebirds Fly" e "I Am Citizen Insane"), faixas de qualidade, mas de interesse restrito aos fãs ("I Am A Wicked Child", uma versão ao vivo de "2+2=5"), e outras que é difícil de entender porque não entraram em algum álbum ("Gagging Order", a versão alternativa de "I Will"). Para os mais fiéis, o disco traz como bônus o clipe de "2+2=5".
Para quem gosta de: Radiohead, Radiohead e Radiohead.


Continue lendo