Música pop

Melhor vai ser difícil

03 jun 2003 às 18:38

O Los Hermanos é o elo perdido entre três espécies musicais que não costumam conviver pacificamente entre si: a MPB, o rock alternativo e o pop radiofônico. Exposto nesse ponto perigoso de convergência, onde corre o risco de ser adorado por muitos ou odiado por todos (sensação que já experimentaram na época do sucesso "Anna Júlia"), o quarteto carioca lança seu mais bem acabado disco, "Ventura".

O terceiro álbum da banda, o primeiro sob o novo contrato com a BMG, é uma amostra competente de que o rock ousado e com vontade de ser original não precisa cair na bobagem do "experimental". Os Hermanos arriscam estruturas complicadas como as alterações bruscas de andamento de "Do Lado de Dentro", ou o miraculoso arranjo de metais de "O Vencedor" (que fazem os sopros do Skank parecer coisa de amador), para segundos depois privilegiar pérolas de simplicidade como o rock pauleira de "Cara Estranho" ou as palhetadas lentas e doídas de "De Onde Vem a Calma".


"Ventura" ainda é a mistura amalucada de samba, rock, psicodelia, música de circo e marchinha de "Bloco do Eu Sozinho", de 2001, mas desta vez os elementos aparecem tão integrados que parecem amalgamados, difíceis de separar, ao contrário da esquizofrenia do anterior. Se carece da espontaneidade do segundo disco, é um trabalho musicalmente mais rico. Ganha também pela aplicada busca de timbres inusitados, pesquisa que se tornou regra no pop contemporâneo pós-"Ok Computer".


Liricamente, também houve evolução – a obsessão por letras românticas que tornou a banda famosa, a ponto de passar por ironia, agora convive com reflexões inteligentes e tocantes sobre a cara de mau do rock’n roll ("O Vencedor"), a auto-estima na terceira idade ("O Velho e o Moço") e depressão clínica ("Do Sétimo Andar"). Comprovando seu recente entusiasmo por Chico Buarque, Marcelo Camelo compõe "A Outra", desencantada balada com detalhes de surf music e sopros de bolero que versa sobre uma traição sob o ponto de vista feminino.


Do suave rompimento com as camisas de força do mercadão ou das ortodoxias pop anunciado em "Todo Carnaval Tem Seu Fim" ("toda Folha elege um alguém que mora logo ao lado/ (...) toda bossa é nova e você não liga se é usada"), surgem sutis mini-manifestos, como o refrão de "Samba a Dois", que ironiza os puristas da crítica ("quem se atreve a me dizer do que é feito o samba?"), ou a ferina condenação à burrice dos que acham que a solução vem sempre de fora de "Cara Estranho" ("não sabe nem pra onde ir/ se alguém não aponta a direção/ periga nunca se encontrar").


São estocadas que descem macio, pois estão ajeitadas em melodias celestiais e arranjos preciosos, em que a música nunca é refém do conteúdo, a grande vantagem dos Hermanos em relação a gente "importante" como Max de Castro – no dia em que o incensado filho de Simonal deixar a verborragia de lado e se concentrar mais em fazer música que preste, talvez consiga compor um balanço tão delicioso quanto o do já citada "Samba a Dois".

É nesta sua qualidade que reside a força de "Ventura": a capacidade de apontar tudo que o pop brasileiro podia ser e não é, sem amarras estéticas, sem purismos ou laços com o ecletismo vazio, que secreta mais preconceitos do que propriamente o amor por vários gêneros musicais. Se alguém aprender a lição, pode conseguir fazer igual ou parecido. Melhor, está difícil.


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