Música pop

Esquisitice triunfa no novo Blur

09 mai 2003 às 10:59

Com "Revolver" e "Sgt Pepper’s", os Beatles difundiram a máxima de que o desejo de toda banda de rock é ser esquisita quando crescer. A "vontade de experimentar" e "a busca por novos horizontes" geraram várias subdivisões dentro do gênero, como o psicodelismo e o rock progressivo, mas, diga-se, abriram uma brecha para experiências sonoras tão pretensiosas e ególatras quanto modorrentas.

No caso da banda inglesa Blur, a decisão de arriscar novos sons acabou gerando outro conjunto dentro de um que já existia. Quase literalmente, visto que o guitarrista Graham Coxon pulou fora logo no início das gravações deste sétimo álbum de inéditas, "Think Tank" (EMI; lançado no exterior esta semana, chega na segunda-feira em edição nacional), alegando divergências musicais. É provável que por questões menos nobres além dessa, como ciúme – nenhum dos integrantes do Blur escondeu o desconforto que sentiram com o sucesso do projeto paralelo do vocalista Damon Albarn, o Gorillaz, que vendeu bem mais que qualquer disco da banda-mãe.


Com Coxon fora do barco, Albarn assumiu a guitarra e dividiu as responsabilidades sobre o novo Blur com os outros remanescentes, o baixista Alex James e o baterista Dave Rowntree. Nos shows, o grupo vai contar com as seis cordas de Simon Tong, ex-Verve. Mas apesar do disco ter o nome Blur estampado em letras grandes na capa, é engraçado notar que o ouvinte só consegue sentir a presença de uma única pessoa nestas treze faixas (mais uma escondida), Damon Albarn.


Tem crítico dizendo por aí que "Think Tank" é o melhor disco da banda, mas trata-se de uma afirmação problemática. É até difícil dizer que o grupo responsável por este álbum seja o mesmo que um dia lançou "Parklife" (1994) ou "The Great Escape" (95). Musicalmente, o repertório retorna do ponto onde o Blur parou, em "13", de quatro anos atrás.


Trata-se de uma maçaroca de sons eletrônicos, influências étnicas (Albarn passou temporadas em Mali e Marrocos), rock psicodélico, baladas com timbres espaciais e compreensivelmente pouca guitarra. É o mais próximo do progressivo que o pop britânico endinheirado se permite chegar sem perder a aura de cool. Coxon andou dizendo que ficou "muito satisfeito" ao ouvir "Think Tank", por não ter sido um de seus responsáveis. Mas o fã do Blur das antigas que for com o espírito menos armado poderá se deliciar com uma (quase) nova banda.


O disco começa de forma irretocável, com "Ambulance" e o primeiro single, "Out Of Time". A primeira é um mantra eletrônico com teclados sobrenaturais, sobre o qual Albarn repete, com voz chorosa, o verso: "eu não tenho nada a temer". A seguinte é uma baladinha que remete aos primeiros discos, mas com timbres de época, ecos e cadência manhosa com jeitão bossa nova. A interpretação contida do vocalista dá o tempero.


Aí, "Think Tank" mergulha em altos e baixos – uma característica típica de qualquer trabalho do Blur, é bom dizer - , com ligeira supremacia dos primeiros. O roquinho pauleira "Crazy Beat", primeira das duas faixas produzidas por Fatboy Slim, garante o pogo, mas se parece demais com as músicas pesadas que o grupo registrou nos dois álbuns anteriores. As reminiscências ao passado voltam na doce balada "Good Song", e aí o Blur como nós o conhecíamos some de vez.


Ele é substituído por momentos realmente memoráveis, como a fofa "Sweet Song" e a psicodélica "Caravan" com lá-lá-lá-rás orientais mergulhados em eco, mas também por chatices extremas como "Jets", uma incursão desastrada por sons da "selva", o punk rock desnecessário de "We’ve Got A File On You" ou a eletrônica sem sal de "Gene By Gene". Às vezes, os dois extremos vêm na mesma música, como em "Battery in your leg", interminável e que começa devagar, mas que melhora na segunda metade.

No fim, "Think Tank" é aquele disco meio nota oito: quando acerta, vale o ingresso, mas é meio difícil ouvir sem pular faixas. E, se disco bom é aquele em que o ouvinte não consegue definir o que achou, então o Blur fez mesmo seu trabalho mais diferenciado. Difícil dizer se o mundo perdeu com o sepultamento de "Parklife" e o nascimento do grupo que cometeu "Think Tank".


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