O fenômeno de tantas bandas indie brasileiras cantarem em inglês é coisa pra sociólogo, digna de tratado mesmo. Qual a motivação por trás disso? Vontade de disfarçar a preguiça para escrever letras que prestem? Complexo de inferioridade? Influência massiva da música gringa? Ilusão de que, com a língua inglesa, crescem as chances de vingar no exterior?
A banda paulistana Thee Butchers’ Orchestra é um dos gigantes do rock independente brasileiro, e, como tal, encarna alguns de seus maiores defeitos e algumas de suas maiores virtudes. No caso da sua preferência pelo inglês, a opção do trio parece obedecer às duas últimas razões da lista apresentada no último parágrafo – os rapazes só ouvem mesmo rock estrangeiro, e sua música é um competente derivativo da garageira de gente como Jon Spencer Blues Explosion, Make Up e Delta 72.
A seu favor, pesa o fato de que o rock de garagem é um estilo musical de lira realmente acéfala, do tipo que não pode (e não deve) ir muito além dos gritos de "baby!". A viagem parece ter dado certo: além dos shows lotados pelas bibocas underground de todo o país, a Orchestra conseguiu contrato com o selo alternativo Estrus para ter seus discos lançados nos Estados Unidos, onde a banda realiza uma turnê este mês.
Para os fãs brasileiros, o trio deixa um petisco antes de sua partida, "The Complete B-Side Series" (Short Records/ Ordinary Recordings). O trabalho tem 19 faixas, e traz regravações de músicas dos outros discos da Orchestra, covers e inéditas. Mesmo que o brasilianista amador vá se incomodar com tantos cacoetes estrangeiros no som da banda, ninguém pode negar que o trio é uma das melhores e mais potentes bandas do rock nacional – aqui, sem restrições a circuitinhos ou ceninhas.
A Orchestra se vale de todos os bons clichês do rock, integrantes que assinam com o mesmo sobrenome (Adriano, Marco e Rodrigo Butcher) e que sobem na bateria ao final do show, som simples e de poucos acordes, de porradaria incessante costurada por duas guitarras, sem contrabaixo. No terreno das versões, o grupo chega perto dos originais nas regravações de "1969", dos Stooges e de "I Don’t Wanna Hear It", do Minor Threat.
Como em qualquer disco que não se pretende revolucionário, tudo parece muito igual, o que, no caso da tormenta proporcionada pela Orchestra, rende um bom disco para festinhas indie. No meio, a banda adiciona órgãozinhos, na linha dos grupos garageiros dos anos 60, e algum apelo dançante, como na cover de "The Last Time", dos Stones.
Complementado por material próprio de alta qualidade ("Tornado Bitch", "Ninety Nine", "Spare Change For Sex Change"), "Complete B-Side..." é eficiente e divertido, o tapa-buraco que a Butchers’ Orchestra precisava para se concentrar num momento de sua carreira que pode ser decisivo. Derivativo, sim, mas como já escreveu o crítico Emerson Gasperin, quem quiser originalidade que vá buscar world music.
Para comprar: ordinary@uol.com.br.
Lançamentos
Guided By Voices – "Universal Truth And Cycles" (Matador/Trama)
Após lançar três discos mais acessíveis e convencionais que praticamente renegavam seu passado lo-fi, o que rendeu até uma passagem por uma grande gravadora, o Guided By Voices retorna à independência com um álbum nos velhos moldes: 20 canções curtas, com boa parte delas não passando do um minuto e meio de duração. Único integrante que se manteve na banda em todos os discos, o cantor Robert Pollard segue oferecendo rascunhos de composições, indecisas entre o indie rock e o pop à Beatles (uma de suas influências primordiais). O repertório resgata algum brilho dos trabalhos mais antigos, como em "Christian Animation Torch Carriers", "Storm Vibrations" e "Everywhere With Helicopter", mas para se deliciar de forma efetiva com a linha mal-gravado-curtinho-mal-tocado da banda, prefira as obras-primas "Bee Thousand" (1994) e "Alien Lanes" (95).
Para quem gosta de: Weezer, Pavement.
Vários – "Pure Genius" (Warner)
Quais são as chances estatísticas de uma coletânea caça-níqueis de diversos artistas prestar, como aquelas que a Som Livre lança? Uma em mil? Este CD duplo "Pure Genius", recém-editado no Brasil, parece ser um lançamento dinheirista – e é. Parece padecer do mesmo mal de certas trilhas sonoras, onde artistas geniais são ladeados por picaretas – e padece. Assim, aqui você acaba levando pra casa gente como Tracy Chapman (com a inevitável "Baby Can I Hold You"), Elton John ("Your Song"), Alanis Morissette ("Ironic"), Jewel ("Hands") e Rod Stewart.
Mas se a grana para os importados anda curta, arrisque, para ter acesso a pérolas de bacanas como Nick Drake ("Time Has Told Me"), Paul Weller ("Wild Wood"), Beth Orton ("She Cries Your Name"), Bill Withers ("Ain’t No Sunshine"), Billy Bragg ("A New England") e os gênios Tim Buckley ("Morning Glory") e Jeff Buckley ("Everybody Here Wants You"), que provam que pode ser raro, mas talento às vezes passa pelo filtro genético.
Errata
A coluna errou duas informações na semana passada. A banda Tara Code, que tocou no Curitiba Pop Festival, é de Salvador, não de Recife. E o nome do projeto Rubin Steiner, que também se apresentou no evento, saiu grafado tudo junto.